O câncer do Brasil (por Mary Zaidan)
A cura do país começa por extirpar Bolsonaro da Presidência
atualizado
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Exibido em superclose, o que, propositalmente ou não, ressaltou o ser alucinado que nele habita, o presidente Jair Bolsonaro garantiu em vídeo nas redes sociais que sabe “onde está o câncer do Brasil” e o que fazer para livrar o país do mal. Não fosse o ensaiado tom grave de ameaça, pareceria um opositor barato atacando o governo, prometendo que curaria o país se eleito fosse. Uma lenga-lenga que vem combinada com a tática da inversão: atacar tudo e todos, atiçar e agredir para depois se dizer vítima, impossibilitado de governar.
Historicamente, a corrupção é o câncer do Brasil, e já o foi para o então candidato Bolsonaro quando o discurso cabia no enfrentamento ao PT. Mas frente a ela, seu governo nada fez. Ao contrário, abençoou e promoveu corruptos de carteirinha.
Sob o patrocínio de Bolsonaro os mecanismos de combate à corrupção foram se afrouxando. A CPI da Covid escancarou a reocupação do Ministério da Saúde por sanguessugas, falcatruas denunciadas ao presidente que ou não deu bola ou as encobriu. A Lava-Jato foi enterrada, a Lei da Ficha Limpa deve ser flexibilizada, os poderes de fiscalização sobre os gastos eleitorais serão reduzidos. E o orçamento da União oficializou gastos secretos, infiscalizáveis por quem paga a conta.
Como de costume quando faz ameaças, Bolsonaro não explicitou a qual câncer se referia. Soltou no ar, como adora fazer – embora o contexto deixasse claro que os males na sua mira são os tribunais superiores, os opositores no Congresso e nos governos estaduais, a imprensa -, bases do discurso da inversão.
Depois de ver sepultados o pedido de impeachment que protocolou no Senado contra o ministro Alexandre de Moraes, e a representação no Supremo para anular um dos artigos do regimento interno que garante a Corte a prerrogativa de abrir inquéritos quando ameaçada, Bolsonaro virou-se contra o presidente do Senado e aumentou o tom das críticas ao STF. O recrudescimento durou menos de 24 horas.
Como em um passe de mágica, de repente a ordem de botar fogo na tropa como fizera o cantor sertanejo Sérgio Reis na semana anterior, virou. Nas redes, mobilizadores virtuais para o 7 de Setembro começaram a substituir #ForaSTF e #IntervençãoMilitarJá por liberdade, ordem e progresso.
A ideia é colar o avesso, taxando o STF e o TSE – Cortes nas quais Bolsonaro responde a inquéritos – como instituições antidemocráticas. Seriam elas e não o presidente que extrapolam os limites constitucionais, que esticam a corda. Há ainda uma nítida preocupação defensiva. Com o novo discurso, tumultos, quebradeiras, invasões de prédios públicos serão apontados como “atos isolados”, fora do controle dos organizadores.
Bolsonaro também mudou o foco das agressões. Na live semanal foi mais brando. Criticou o que considera “decisões autoritárias”, como a prisão do presidente do PTB, Roberto Jefferson, e a desmonetização de canais digitais que o apoiam, mas o fez sem a verve beligerante da semana anterior. Na sexta-feira, seus impropérios cotidianos não tiveram os demais Poderes como alvo. Preferiu e conseguiu redirecionar os holofotes com a infame afirmação – “Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado” -, chamando de idiota quem diz que “tem de comprar feijão”.
Depois de obter a audiência pretendida – ocupar as manchetes, virar assunto e memes na internet -, embarcou para Goiânia para acariciar militares em mais uma cerimônia do Exército e passear de motocicleta com apoiadores. Em pleno horário em que os incautos pagadores de impostos trabalham para financiar o desgoverno e as estripulias do presidente.
Bolsonaro não disse a qual câncer se referia. Certamente não foi ao da corrupção, que enche os bolsos de alguns, financia e ao mesmo tempo garante a eloquência dos discursos de candidatos com plataformas vazias. Tampouco ao dos privilégios que corrói o Estado.
Até acertou no diagnóstico – “se o câncer aí (sic) for curado o Brasil volta à normalidade” -, mas errou no endereço: a cura do país começa por extirpar o câncer Bolsonaro da Presidência.
Mary Zaidan é jornalista