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Kianush Sanjari matou-se para escrevermos sobre isto (Por Bárbara Reis

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Fatemeh Bahrami/Anadolu via Getty Images
Pessoas caminham pelas ruas de Teerã, capital do Irã, após as explosões ouvidas nas cidades de Isfahan e Tabriz - Metrópoles
1 de 1 Pessoas caminham pelas ruas de Teerã, capital do Irã, após as explosões ouvidas nas cidades de Isfahan e Tabriz - Metrópoles - Foto: Fatemeh Bahrami/Anadolu via Getty Images

Escrevo este texto porque, ao ler sobre a morte do jornalista iraniano Kianush Sanjari, senti que era essa a sua vontade: que alguém escrevesse sobre Fatemeh Sepehri, Nasrin Shakarami, Toomaj Salehi e Arsham Rezaei.

Poucos sabem quem eles são. Até Sanjari se suicidar, eu só conhecia um, o rapper Salehi.

No dia 13 de manhã, Sanjari escreveu nas redes sociais que iria matar-se se até às 19h os quatro prisioneiros políticos não fossem libertados. Às 19h, sem notícias de qualquer libertação, publicou uma fotografia tirada da cobertura de um centro comercial no centro de Teerão e atirou-se.

Escrevo sabendo que de nada serve. Ainda assim, aqui vai.

Fatemeh Sepehri, presa desde 2022

Fatemeh Sepehri, 60 anos, é uma activista política e defensora dos direitos das mulheres. Em 2004, viúva há 20 anos, licenciou-se em Administração de Empresas pela Universidade Ferdowsi de Mashhad. Após as eleições iranianas de 2009, o “movimento verde” e os meses de protestos, tornou-se ativista. Um irmão, Mohammad Hossein Sepehri, assinou a célebre Carta dos 14 Ativistas Políticos, em 2019, no 10.º aniversário das eleições de 2009, que pede democracia no país e a demissão do ayatollah. Os dois irmãos estão presos.

Sepehri foi detida a primeira vez em setembro de 2022, durante os protestos Mulher, Vida, Liberdade, contra a morte de Mahsa Amini e o uso obrigatório do véu religioso. Passou 30 dias no Ministério da Informação, onde foi submetida a interrogatórios, e a seguir foi para a prisão de Vakilabad.

Em janeiro de 2023, um tribunal condenou-a a um ano de prisão e uma multa de 20 milhões de tomans por “espalhar falsidades, perturbar a opinião pública através de atividades nos meios de comunicação social e presença em meios de comunicação fora do Irã”, diz a Comissão dos EUA para a Liberdade Internacional Religiosa.

Este verão, Sepehri foi condenada a mais 18 anos e meio de prisão depois de ter feito esta declaração pública: “Condeno o ataque do Hamas a Israel e digo em voz alta que a nação iraniana apoia a nação israelense. A República Islâmica e os seus agentes gastam a riqueza do Irã para comprar balas e atacar Israel. Nós, o povo do Irã, não queremos a guerra nem a matança de pessoas indefesas. Condeno mais uma vez o ataque do Hamas. Desde a ascensão ao poder de Ali Khamenei e a fundação da República Islâmica, o Médio Oriente não tem visto paz.” O Tribunal Revolucionário de Mashhad condenou-a na segunda sessão do julgamento por “propaganda contra o regime”, “colaboração com governos estrangeiros hostis”, “insulto aos ayatollahs Ruhollah Khomeini e Ali Khamenei” e “reunião e conluio contra a segurança nacional”.

No ano passado, Sepehri, muito doente, foi hospitalizada. Tem diabetes e hipertensão. Foi operada do coração e, uma semana depois, reenviada para a prisão. Em outubro, foi hospitalizada de novo. Diz a agência americana que ter-lhe-ão sido “negados os cuidados médicos adequados”.

Nasrin Shakarami, presa em 2024

Nasrin Shakarami é a mãe de Nika Shakarami, de 16 anos, morta a 20 de setembro de 2022, durante os protestos Mulher, Vida, Liberdade, quatro dias depois da morte de Masha Amini.

Nika destacou-se da multidão ao subir em um contentor de lixo no Parque de Laleh, em Teerã, com um lenço a arder e o cabelo descoberto.

Nove dias depois, a mãe soube que estava morta. Pediu explicações e o governo disse-lhe que Nika se tinha suicidado e que a morte não tinha nada que ver com os protestos. Mas quando foi identificar o corpo à morgue, a mãe notou que as mãos, pés e o tronco da filha não tinham qualquer sinal de violência e que a cara, ossos faciais, dentes e cabeça estavam partidos, e o crânio tinha uma contusão tão grande que estava amolgado.

Um mês depois, a televisão estatal CCTV transmitiu uma “reportagem” na qual apresentou a teoria do suicídio, mostrando imagens de um suposto vídeo que teria sido captado por uma câmara de vigilância onde se vê uma rapariga parecida com Nika a entrar no prédio de onde ela teria saltado. A mãe diz que não tem dúvida de que aquela não é a sua filha e mesmo quem que não conheceu Nika consegue ver que as raparigas são diferentes.

Pouco depois, a unidade de investigação da BBC recebeu um documento classificado como “altamente secreto”, seis páginas de um dossier de 350 sobre os protestos de 2022, que incluem entrevistas às forças policiais e militares que prenderam Nika e que estavam na carrinha onde a adolescente terá sido morta.

O relatório secreto, diz a BBC, revela “uma versão muito diferente das razões que levaram à sua morte e dos homens envolvidos”. A BBC dedicou “meses a verificar a autenticidade” do documento com “múltiplas fontes independentes”. Nika Shakarami terá sido morta dentro do carro das forças policiais a caminho da prisão, depois de um ato de abuso sexual. Um dos homens terá metido as mãos dentro das suas calças, a rapariga gritou e insultou-o, ele bateu-lhe na cabeça com muita violência e Nika morreu. Sem saberem o que fazer, com a adolescente morta no carro, os guardas ligaram às chefias, que lhes disseram para abandonarem o corpo numa rua.

Desde cedo que Nasrin Shakarami acusa publicamente as autoridades de terem assassinado a sua filha. Foi presa há pouco tempo.

Toomaj Salehi, condenado a prisão perpétua

Foi também em outubro de 2022, durante os protestos Mulher, Vida, Liberdade, que Toomaj Salehi, um rapper de 33 anos, foi detido por causa das suas canções a criticar o regime. Foi acusado de “espalhar corrupção na Terra” e condenado à morte pelo Tribunal Revolucionário de Isfahan.

Em 2021, o Irã executou 853 pessoas e, em 2022, 600. Salehi passou um ano na prisão e foi libertado sob caução em 2023. Mas em maio deste ano publicou um vídeo nas redes sociais no qual revelava pormenores sobre a sua prisão: foi “severamente torturado”, ficou com “ossos partidos”, “lesões oculares” e “dentes partidos”. Injetaram-lhe alguma coisa no pescoço que, disse-lhe outro preso, era adrenalina, para que se mantivesse consciente e sentisse o máximo de dor. Disse também que tinha sido posto em isolamento durante 252 dias seguidos e privado de cuidados médicos vitais.

No vídeo, o rapper amigo do cineasta Jafar Panahi conta que essa foi a quarta vez que foi preso. Nas vezes anteriores, por causa de canções a criticar o regime e a pedir liberdade e democracia. Logo a seguir ao vídeo, o músico foi preso outra vez. A pena de morte terá sido alterada para prisão perpétua.

Arsham Rezaei, preso em 2023

Este outubro, o Tribunal de Apelação de Teerã manteve a sentença de 50 chicotadas e uma multa de 16 milhões de tomans a Arsham Rezaei, preso na famosa prisão de Evin desde o ano passado. As novas acusações decorrem de um caso iniciado durante a sua prisão.

Preso por agentes de inteligência do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, Rezaei foi condenado em dezembro a 15 anos de prisão. A sua condenação foi decidida num processo conjunto no qual o juiz terá condenado 11 presos políticos a 95 anos de cadeia. É talvez a sétima ou oitava vez que o ativista é preso.

Em agosto de 2023, Rezaei publicou um vídeo no Instagram onde conta que 12 agentes do Governo tocaram à porta da casa da sua mãe. Identificando-se como “funcionários do departamento de eletricidade”, invadiram a casa e confiscaram todos os seus documentos e cartões bancários. Foi preso dois meses depois. Em 2018, foi julgado no Tribunal Revolucionário de Teerã sem a presença de um advogado de defesa e condenado a uma pena suspensa de oito anos e seis meses sob a acusação de “propaganda contra o sistema”, “reunião e conluio com a intenção de agir contra a segurança nacional” e de “insultar os líderes” do país.

Não sei que razões levaram Sanjari a escolher estes quatro presos políticos. Há centenas de presos políticos no Irão, muitos deles jornalistas.

Sei que Sanjari foi preso, libertado, que conseguiu fugir do país e em 2008 chegou aos EUA, onde recebeu o estatuto de exilado político. Até 2016, trabalhou como jornalista para o serviço de notícias em farsi da rádio e agência de notícias Voice of America, ao mesmo tempo que fazia trabalho de pesquisa em organizações de direitos humanos. Em 2016, a mãe ficou doente e Sanjari voltou para o Irã. Os amigos dizem que acreditou que já ninguém se lembraria dele, tantos anos depois. Mas foi preso e condenado a 11 anos de prisão, dos quais cumpriu cinco.

Agora, antes de saltar, escreveu no X: “Ninguém devia ser preso por exprimir as suas opiniões. Protestar é o direito de cada cidadão iraniano.”

 

(Transcrito do PÚBLICO)

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