As relações civis-militares
Vem em boa hora a PEC para proibir a presença de militares da ativa em cargos da administração pública no País
atualizado
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Editorial de O Estado de S. Paulo
A passagem de Eduardo Pazuello pelo Ministério da Saúde trouxe enormes problemas para o País. Muitos deles ainda estão sendo descobertos pela CPI da Covid. De toda forma, dois fatos já são de conhecimento público. A sua submissão ao presidente Jair Bolsonaro provocou atraso na vacinação contra a covid e, durante o período em que chefiou a pasta, vacinas negociadas por intermediários tiveram prioridade em relação às ofertadas pelas próprias empresas fabricantes.
A agravar o quadro, Eduardo Pazuello ocupou o cargo de ministro da Saúde sendo militar da ativa. Não é papel de militar exercer cargo civil. Entre outros problemas, sua atuação na Saúde provocou desgaste na imagem das Forças Armadas perante a opinião pública. Se já não era positivo que os militares fossem associados a uma gestão ineficiente, agora integrantes das Forças Armadas veem-se enredados em nebulosas compras de vacinas.
Segundo narrou o presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Pazuello foi informado sobre as suspeitas envolvendo a compra da vacina Covaxin, mas o intendente não viu nada de errado no contrato. Nos termos assinados pelo Ministério da Saúde, o preço por dose de Covaxin foi 11 vezes mais caro do que a oferta da própria fabricante, feita seis meses antes.
Tudo isso, que é extremamente embaraçoso para Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello, mostrou a necessidade de um aprimoramento do marco jurídico da administração pública. São muitos os perigos que envolvem a administração pública e o presidente da República quando se usa, sem grandes critérios, a possibilidade de atribuir a militares, principalmente aqueles no exercício ativo de suas funções castrenses, cargos civis.
Vem em boa hora, portanto, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), de autoria da deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), para proibir a presença de militares da ativa em cargos da administração pública. Tendo ganhado a alcunha de PEC Pazuello, a proposta já ultrapassou o mínimo necessário de assinaturas para sua apresentação.
A PEC Pazuello acrescenta um inciso ao artigo 37 da Constituição. “O militar da ativa somente poderá exercer cargos de natureza civil na administração pública, nos três níveis da Federação, desde que atendidos os seguintes requisitos: (a) se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade; (b) se contar mais de dez anos de serviço passará automaticamente, no ato da posse, para a inatividade”, diz a proposta.
Na exposição de motivos, a deputada Perpétua Almeida explica que a PEC busca “resguardar as Forças Armadas dos conflitos normais e inerentes à política, e fortalecer o caráter da Marinha, do Exército e da Aeronáutica como instituições permanentes do Estado, e não de governos”.
Num Estado Democrático de Direito, o poder governamental é exercido por civis. Essa separação de funções, que já estava prevista na Constituição de 1988, tornou-se ainda mais explícita em 1999 com a criação do Ministério da Defesa.
Foi um importante e significativo marco. Substituindo os anteriores Ministérios do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, a criação do Ministério da Defesa mostrou que até mesmo a condução política dos assuntos militares e da defesa deveria ser feita por um civil e de forma integrada à administração geral do Estado. Até 2018, todos os ministros da Defesa foram civis.
Com o governo Bolsonaro, essa importante faceta do poder civil ficou esfumaçada em razão das muitas nomeações de militares da ativa para a administração pública. Por um tempo, até a chefia da Casa Civil foi ocupada por um general da ativa. Depois, o general Luiz Eduardo Ramos passou à reserva, ao contrário de Eduardo Pazuello, que está no exercício ativo até hoje.
É preciso preservar e respeitar os âmbitos de atuação civil e militar. Além de reforçar no cidadão a saudável tranquilidade de que os militares estão cumprindo suas tarefas – e não outras –, essa separação de funções contribui para despertar a responsabilidade da população para as questões políticas. São os civis, e não os militares, que devem dar solução aos problemas políticos.