Para que serve uma crítica?
Uma crítica — seja lá qual for o objeto da análise — tem a missão primordial de informar. Muitos pensam ou esperam que o papel de um crítico é simplesmente falar mal
atualizado
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Hoje, resolvi dedicar esta coluna não a um restaurante, mas a ela mesma (a coluna). Ou seja, falar um pouco sobre por que ela existe e pra que serve. Há necessidade disso? Sim, porque há ainda quem pense que o papel de um crítico é simplesmente falar mal, destilar veneno, detonar pelo prazer de encontrar erros no que os profissionais estão fazendo. Quem pensa assim pode se frustrar com os textos daqui ou de outro lugar. Uma crítica — seja lá qual for o objeto da análise — tem a missão primordial de informar. É opinião com conhecimento.
A saudosa Bárbara Heliodora, a contumaz crítica de teatro do jornal O Globo, destrinchou durante décadas as coxias dos palcos cariocas e paulistas. Fez isso com maestria, mas saiu com cicatrizes e inimizades deste universo que causa emoções tão extremadas.
No caso da gastronomia, uma crítica serve para comparar: onde devo ir, o que quero pedir, quem trabalha com bons ingredientes, onde serei bem atendida, qual o melhor ambiente…É uma tarefa complexa, pois são muitos elementos envolvidos, que também sofrem diariamente alterações ocasionais. Por isso, tal análise envolve grande energia intelectual, que vai muito, mas muito além de levar o garfo à boca.
Para a crítica ser bem feita, a regra número um é a imparcialidade. Não pode ser crítico quem se envolve emocionalmente e vira amigo de chef – uma quase necessidade aos profissionais que trabalham com gastronomia. A meritocracia está em comparar, dentro de parâmetros que se analisam em casas de comida e bebida, o que está sendo bem feito e executado. Não adianta ler apenas o currículo do chef, sem olhar, por exemplo, o da sua equipe ou do seu time de salão. Não adianta acertar a mão no prato e deslizar no atendimento. Tudo isso faz parte da crítica.
O profissional que faz a análise tem de ter responsabilidade, compromisso e seriedade de emprestar sua experiência, seus olhos e seu paladar a quem espera o dia da crítica para saber onde comer ou relaxar após uma semana de trabalho. A opinião do crítico é um retrato elaborado de tantas vezes que alguém se sentou à mesa dos restaurantes no Brasil e no exterior para saber, entender e decifrar o que aquela cozinha está propondo. Há vários tipos de cozinhas e chefs. Os mais comerciais e mais conceituais. Zero preconceito com isso. Comida tem de agradar a alma e o paladar.
Ninguém gosta de ser criticado no seu ofício. O profissional estudou para aquilo, se dedicou e, de repente, sai não sei de onde esta senhora aqui, a dar pitacos. A crítica pode errar, não enxergar todos os lados, mas ela serve para chamar a atenção de pontos que devem ser reverenciados, indicando onde chef, empresário e equipe acertaram e, ao mesmo tempo, mostrar aspectos para serem melhorados, observados e corrigidos. Há de se descer do salto e ser íntegro para admitir falhas — eu mesmo exercito o máximo que posso isso, quando leio comentários à coluna “Ao Ponto”. Nem todos estão preparados.
Tem horas que a crítica é cruel. Toca na deficiência ou até mesmo em aspectos que o proprietário sabe que não está bem. Mas falar mal de seu restaurante não pode. “Quem é essa tipinha ruiva que se acha a crítica?” ou “ela foi comprada pela concorrência”. Aceitar o erro e tentar corrigir parece mais difícil do que desqualificar o crítico.
Com o boom da internet, todos viraram comentaristas, críticos e sei-o-que-lá-influencer. Há muita opinião (positiva) embasada apenas no que se prova durante os eventos oferecidos à “imprensa especializada”. Isso é triste. Pagar a própria conta e ir ao estabelecimento pelo menos duas ou três vezes, como um cliente comum, são requisitos básicos para uma crítica isenta.
Enfim, uma crítica justa serve para que a cidade trate melhor seus comensais. Os ótimos restaurantes, mundo afora, passam por testes diários para avaliar a qualidade de sua comida e de seu serviço. Quanto mais uma cidade tem profissionais preparados, com conhecimento, experiência e literatura para fazer e avaliar sua gastronomia, mais a população sai ganhando. Mas, para isso, o respeito aos critérios e a todos os envolvidos tem de superar um pouco o estrelismo de quem faz e de quem avalia.
Cortês sim; omissão, não.
DEVO IR?
Sempre se disponha a sair para ter uma experiência. Comer é divino.
PONTO ALTO DA CRÍTICA:
Honestidade
PONTO FRACO DA CRÍTICA:
Para alguns, incomoda, tira o sono por duas noites. E só.