Oui, nós temos queijo! E eles são tão bons quanto os franceses
O Brasil passa por uma verdadeira “revolução queijeira” e cria produtos de muita qualidade
atualizado
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Onde o assunto é fermentação, sempre há espaço para novas decomposições. Fermentar nada mais é do que transformar alimentos a partir da ação de fungos e bactérias do bem (e existem muitas, não tenha medo delas). Não é de hoje que esses colunistas flertam com a transformação do leite em queijo, e chegou a hora de assumirmos essa nova personalidade. É isso mesmo, além de falarmos muito sobre cerveja, vamos começar a desvendar as maluquices microscópicas e gastronômicas envolvendo a produção queijeira no Brasil.
Obviamente existem jogadas de marketing e muitas empresas industriais tiram proveito do movimento, mas o consumidor não se deixa enganar com tanta facilidade e já está atento. Ora, já que caiu no gosto, que tal aproveitar a deixa para mostrar a real importância de produções familiares com muito significado? O espaço que o queijo artesanal está conquistando já é resultado dessa luta.Antes do primeiro passo, é bom deixar claro: a palavra “artesanal” está banalizada. Fato. No entanto, apesar da contestação plausível de quem vive o conceito à risca, gostamos de acreditar que a popularização do termo tem sua função no processo de mudança. O brasileiro finalmente começou a entender que um produto feito em pequena escala, por gente que despeja carinho e história em cada peça produzida, é muito mais precioso que aquele fabricado em série.
Na linha de frente da batalha existem produtores, comerciantes conscientes e figuras importantes que foram abraçados pela causa. São pessoas que têm ajudado a mudar hábitos de consumo, trabalhando há anos para mostrar que podemos ir muito além do frescal (nada contra, sempre tenho um na geladeira) e que a nossa história é muito valiosa. O especialista em queijos brasileiros Fernando Oliveira é um desses personagens.
Para explicar o atual momento, Fernando usa a expressão “revolução queijeira”. Ainda que não gostemos muito, concordamos que o tom faz todo sentido. Afinal, convencer o consumidor a trocar o queijo importado sem gosto trazido congelado de navio da França por um de mofo branco produzido em Pernambuco, ou por um curado de casca lavada feito em São Paulo, ou pelo queijo do Tulio, maturado com a ação de ácaros na região do Serro, em Minas Gerais, é, sim, um ato revolucionário.
Pode acreditar, existem centenas de queijos brasileiros tão lindos e tão gostosos (ou mais) quanto os que provamos quando viajamos para o exterior. Uai, então por que a maioria das pessoas ainda não conhece esse universo mágico e deliciosamente fedido? A resposta passa por legislações atrasadas, lobby de grandes laticínios, preconceito com o leite cru, pela ignorância geral e também pela falta de vontade política. Só nessa última frase temos assunto para o ano todo.
Apesar de serem fiscalizadas e terem selos que autorizam a comercialização de queijos, a maioria dessas fazendas não pode vender para além de suas fronteiras municipais ou estaduais. De novo: são produtos de ótima qualidade, de acordo com regras sanitárias rígidas, produzidos com ingredientes selecionados, mas que não podem sair de suas cidades. Não faz sentido.
A boa notícia é que os queijos são consumidos. E muito! O consumidor se encanta com a possibilidade de comer algo único feito pertinho de casa e não do outro lado do Oceano. São sabores novos que estamos descobrindo, aprendendo a valorizar e amando. Já começamos a entender a beleza única de cascas enrugadas, de formatos contorcidos e de cores diferentes. Já não levamos susto com o cheiro forte e nem com aqueles queijos totalmente tomados por mofo. Gostando ou não do termo, o fato é que vivemos uma “revolução queijeira”.