Quem são os bolsonaristas que prometem “morar” em frente ao QG do Exército
Protesto reúne principalmente empresários, autônomos e aposentados, que pedem golpe, criticam o Nordeste e alimentam máquina de fake news
atualizado
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Empresários, autônomos, aposentados, grupos armamentistas e militares reformados, sendo a maior parte deles brancos e de alto poder aquisitivo. Esse é o perfil principal de manifestantes bolsonaristas que prometem “morar” em frente ao Quartel General do Exército de Brasília, até que surja uma “intervenção federal” e o resultado das urnas, que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como próximo presidente, seja anulado.
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O Metrópoles acompanhou o protesto por dentro durante os últimos dias e presenciou o surgimento de notícias falsas, os pedidos de golpe e ofensas contra nordestinos, petistas e ministros do Supremo.
No universo paralelo de bolsonaristas criado em frente ao QG, Alexandre de Moraes é criminoso, Carla Zambelli (PL) viajou para os Estados Unidos para mostrar provas de fraude nas urnas, Jair Bolsonaro (PL) teve votos roubados, a “esquerda satanista” fez feitiços e as Forças Armadas têm poder constitucional de tomar a Presidência de Lula.
As contradições também tomam o espaço. Duas tendas principais com grandes caixas de som e organizadores com microfone destoam. Enquanto uma promove orações constantes, outra prega discursos de ódio contra figuras vistas como inimigas pela direita. O polêmico “banheiro unissex”, ideia atribuída de forma falsa ao plano de governo de Lula, surge no acampamento bolsonarista. Só dois banheiros químicos têm placas indicando o gênero, mas homens e mulheres usam o mesmo espaço.
Doações e dinheiro vivo
Acampados desde que Lula foi escolhido pela maior parte da população, nas eleições do último domingo (30/10), os bolsonaristas contam com uma estrutura cara. Comidas, bebidas e tendas são entregues “de graça” para os presentes.
A maioria não sabe dizer quem banca tudo isso, enquanto outra parte diz que são doações voluntárias. A arrecadação em dinheiro vivo chama atenção. Em cerca de 10 minutos, uma vaquinha para “contratar um trio elétrico” recebeu R$ 3.670 em espécie. Notas de R$ 100 e de R$ 50 saíam facilmente do bolso dos presentes.
Pagamento por Pix, que identificaria quem estava recebendo, não era uma opção. “Pessoal, quem puder doar, pode vir até aqui e entregar a quantia que puderem. A gente não vai usar Pix, porque é mais difícil contabilizar, fazer a prestação de contas. Daqui a pouco eu subo aqui para falar quanto a gente arrecadou, amém?”, diz uma mulher ao microfone. Voluntários ajudam a contar o dinheiro, para dar transparência, e a quantia total é anunciada. Já o destino final não é muito preciso.
Enquanto há essa arrecadação, carretas chegam carregadas de comidas. Pão com mortadela, biscoitos e frutas são os alimentos mais encontrados. Em almoços e jantares, é possível comer um churrasco com carne, frango, arroz tropeiro e mandioca. Após relatos de que “petistas infiltrados” estariam entregando comidas e bebidas com laxante e até chumbinho, aumentou o alerta para que se procurassem sempre as mesmas tendas de distribuição.
Fakes e ataques
O palco do protesto também vira uma máquina de notícias falsas. Pequenos trechos de fatos divulgados pela mídia tradicional são distorcidos e viram histórias completamente diferentes no local, como um telefone sem fio. Reportagens sobre o orçamento de 2023, feito pelo governo atual, serviram de munição.
“O Lula prometeu dar o auxílio e mais R$ 150 por filho. O povo do Nordeste deve ter ficado doido. Cheios de filhos. Quando foi agora, passou na TV que o [Geraldo] Alckmin falou que viu direito e não vai dar para dar o auxílio e vai reduzir para R$ 400. Agora faz o L”, ri um bolsonarista. Na verdade, o valor de R$ 400 do Auxílio Brasil foi estipulado pelo governo de Bolsonaro.
O silêncio do atual presidente após a derrota também ganhou novas interpretações. “Ele estava reunindo provas de que a eleição foi fraudada. Agora já tem tudo provado e o Alexandre de Moraes tem 72 horas para ir na TV falar que teve erro”, afirma veementemente uma mulher.
Também circulam fake news pela manifestação de que Carla Zambelli saiu do país porque foi ameaçada de morte ou porque foi alertar a imprensa internacional sobre fraude eleitoral. Cartazes em inglês pedindo intervenção são mais presentes a cada dia. As notícias saem do WhatsApp, Telegram e até do Gettr, rede social que ficou conhecida após o uso maciço de apoiadores pró-Donald Trump.
Nem a tenda da reza escapa. “Esse papa é comunista. Vamos orar pelas Forças Armadas, porque a esquerda é satanista e está amaldiçoando os três comandantes, da Aeronáutica, do Exército e da Marinha. O feitiço está forte”, alega uma senhora, e depois volta a rezar.
Passando ao lado de onde estavam 20 fiéis com terço em mãos, uma mulher conversava com outra: “O Nordeste é uma praga!”. Em outra roda de pessoas, o retrato da família dividida. “Fiquei com tanto ódio dessa eleição que nunca mais fui à casa da minha sogra. Lá todo mundo é PT e não quero ninguém ‘tirando’ com a minha cara.”
Entre esperanças e delírios
Os bolsonaristas também ficam por mais de 24 horas no local, em dias de semana, com filhos em idade escolar. Nessa sexta-feira (4/11), entre 15h e 16h, a reportagem contou cerca de 50 crianças. Uma mãe colocou quatro delas em fileira e começou a orientar, enquanto gravava. “Vamos lá, digam assim: ‘Não queremos crescer em um país comunista’”. Só uma delas estava em idade de fala e pôde repetir.
Com esperança de que o movimento cresça no fim de semana, os bolsonaristas não convergem em dizer quais os principais objetivos do ato. Alguns acreditam que vão convencer as Forças Armadas fazendo barulho em frente aos quartéis do país.
Outros, colocam esperanças em um documento que dizem ter sido elaborado por juristas, mas mais se assemelha a um post de Facebook, com a “exigência” de que Lula não seja empossado. Há ainda quem creia que seja preciso aumentar o número de seguidores na página de Instagram do Exército para que o petista eleito democraticamente não assuma.