Objeto de desejo. Apartamento para alugar, com relíquias de Athos Bulcão, causa furor na internet
O apartamento na SQS 203 chamou a atenção nas redes sociais tão logo foi anunciado por R$ 10 mil mensais. Não é para menos: o imóvel é recheado com histórias da capital
atualizado
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Uma relíquia residencial de Brasília pode ser toda sua – pela bagatela de R$ 10 mil por mês. Um apartamento disponível para aluguel na 203 Sul enlouqueceu brasilienses nas redes sociais nos últimos dias. Não é à toa: não bastasse ter 300 metros quadrados, cinco banheiros, quatro quartos e duas suítes, o apartamento tem gravada em cada uma das paredes e colunas de concreto uma parte da história da cidade.
A começar pelo primeiro andar – sim, trata-se de um dúplex. No salão principal, uma parede em “S” divide a sala de visitas do que seria, no projeto original, uma biblioteca. A parede é recoberta por um painel exclusivo de Athos Bulcão. Quem mora ali tem, literalmente, um Athos para chamar de seu.
Em 1975, quando foi inaugurado, era o local para se viver na capital do país.
A joia rara chamou muita atenção quando foi anunciada na internet pela imobiliária 61 Imóveis. O proprietário da mesma, o corretor Pablo Bueno, nem precisou ter o usual trabalho de impulsionar o imóvel com anúncios no Facebook. A novidade se espalhou sozinha.
Acho que agora existe uma geração que nasceu aqui e que tem uma identidade muito forte com a cidade, raízes. O concreto e o vidro são a cara da arquitetura de Brasília, além dos painéis do Athos por todo o lugar. Foi isso o que chamou a atenção das pessoas.
Pablo Bueno, corretor
O Edifício Genève, bloco G da superquadra, tem projeto assinado pelo arquiteto Cláudio Meireles Fontes, que hoje vive no Rio de Janeiro e dedica-se à pintura. O terreno pertencia a Segismundo de Mello, presidente da Novacap. Apesar dos traços imponentes e dos nomes por trás da obra, sua origem é simples: um grupo de amigos, na época funcionários da Caixa Econômica, comprou o terreno de Segismundo e, como sócios, decidiram erguer o prédio. Contrataram a falecida Encol para levantar o projeto.
Francisco Pinheiro da Rocha era um deles. Foi o segundo morador, ele mesmo diz. O primeiro, um engenheiro conhecido na cidade, é o dono do cobiçado apartamento que está para alugar. Mas prefere que seu nome fique às escondidas. Francisco lembra que a obra levou quatro anos para ficar pronta. Um deles, completamente parada.
Além da falta de recursos, o projeto era ousado demais para a cidade: as sacadas não eram permitidas e precisaram sofrer modificações. A cobertura – a primeira da cidade, com azulejos de Athos revestindo todo o salão de festas – passou por poucas e boas até ser aceita pela Novacap. Hoje, certamente ocupa uma confortável posição na lista das vistas mais privilegiadas de Brasília. Dali, os moradores mais antigos puderam assistir à cidade brotar em volta.
O Genève – Pinheiro da Rocha diz que é dele a ideia do nome – tem 24 apartamentos. Todos têm um Athos exclusivo na sala. Exceto três, porque os proprietários derrubaram para aumentar o tamanho do ambiente. Os donos alegam que não sabiam quem assinava a tal parede. Um deles pertencia ao deputado Sérgio Naya, que ficou conhecido pelo desabamento do edifício Palace II, no Rio de Janeiro (ele era o principal acionista da construtora). Naya revestiu de espelhos o painel. Quando o apartamento foi vendido, sem saber o que tinha atrás dos espelhos, o novo proprietário colocou o mural abaixo. Uma pena.
Athos fez 12 desenhos ao todo, mas em cores diferentes para cada unidade. Pinheiro da Rocha conta que os painéis não estavam previstos no projeto original de Fontes. No entanto, a certa altura, conforme os antigos sócios foram se cansando da demorada obra, a Encol passou a ser dona da maioria das cotas e arrumou um jeito de baratear os custos da construção.
Decidiu instalar colunas na sala para economizar em concreto. Furioso, Fontes tratou de se oferecer para adaptar ele mesmo o projeto sem que a sua beleza fosse totalmente perdida. A parede em “S” apareceu para esconder duas colunas, uma em cada curva.
Só que aquela parede seria branca e Cláudio achou que ficaria feia demais. Ele e Athos eram muito amigos, e o artista se ofereceu para revesti-las com os painéis. Sem querer valorizar o meu, mas ele é o mais bonito, ele gostou muito da combinação de cores.
O do apartamento disponível para aluguel é em tons de cinza. Ele foi reformado recentemente, mas o dono manteve as suas configurações originais. Hoje, só três ou quatro moradores dos velhos tempos ainda ocupam suas unidades.
Segundo Pablo Bueno, o valor do metro quadrado na Asa Sul fica em uma média de R$ 8 mil a R$ 9 mil. Os maiores valem um pouco mais, porque são mais raros. Reformados, aumentam um pouco. Considerando que o metro quadrado ali vale cerca de R$ 10 mil, o apartamento chegaria facilmente a R$ 3 milhões para venda. “Quem não sabe da história acha muito. Quem sabe pagaria mais.”