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A vida depois de… Pedalar durante 100 dias e dar um chega pra lá no baixo astral

Mariana Carpanezzi estava depressiva quando disse “sim” a um convite que, para ela, soava absurdo: pegar a estrada e percorrer a Europa de bike. O resultado está no livro “O mundo sem anéis – 100 dias em bicicleta”

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Bruno Pimentel
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1 de 1 050216BPmarianacarpanezzi025 - Foto: Bruno Pimentel

Vamos começar esta história pelo fim. A moral dela é: ao sinal da menor insatisfação com a vida, a paisagem, as pessoas, a rotina, vá embora. Carregue o mínimo possível. Ao final da viagem, você vai perceber que não precisa de muito. As coisas das quais você mais gosta, vai ver, são de graça.

Essa é a história de Mariana Carpanezzi. Funcionária pública, especialista em direitos humanos, fotógrafa, escritora e ilustradora. Aqui, ela é viajante. Deixou tudo para trás algumas vezes. A última delas, em cima de uma bicicleta Europa a dentro. Uma jornada que rendeu um livro, fotos incríveis, ilustrações coloridas, respostas a indagações acumuladas pouco a pouco, ao longo da vida, um recomeço. Começar do zero é sua especialidade.

Se você deixar que ela te leve pela mão, a viagem de bicicleta vai te virar do avesso. E pode ser que você conclua que viver de dentro para fora é bem melhor.

Trecho do livro O mundo sem anéis, de Mariana Carpanezzi

Arquivo Pessoal
Mariana é de Belém, mas viveu a vida toda em Curitiba. Se formou em direito por lá, mas sempre quis morar em Brasília. Nunca teve ninguém por aqui, só dois amigos que nem eram assim tão próximos, antropólogos.

Veio mesmo assim, concluiu um mestrado em direitos humanos, passou em um concurso na sua área, na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Movida pela “vontade de começar tudo do começo”, tão logo seu estágio probatório na repartição chegou ao fim, pediu uma licença não remunerada e foi para Genebra, na Suíça, fazer um mestrado.

Mas as coisas em Genebra não eram assim tão douradas quanto ela queria que fossem. As pessoas são frias, as ruas, organizadas demais, as regras, invioláveis. No seu livro, “O mundo sem anéis, 100 dias em bicicleta”, lançado recentemente pelo selo Longe, ela fala algumas vezes sobre isso. Foi se acomodando na tristeza até que ela virasse depressão. Chegou a dormir 14 horas por dias, nos intervalos entre a yoga e o projeto de qualificação do doutorado. A vida estava chata.

“Eu comecei a questionar algumas coisas naquela época”, lembra. “Estava questionando o doutorado, não queria voltar para a vida de repartição. Estava de saco cheio. Não gostava de nada. Só de bicicleta”, resume, de forma simples.

Diante da obviedade, em junho de 2013 montou sobre duas rodas para buscar respostas que ainda nem sabia que procurava. Aceitou o convite de uma amiga brasileira, Carol, certa de que pedalar era a única coisa capaz de aliviar a dor. Pedalariam pelos mais de mil quilômetros de ciclovias pela costa da França, entre a Bretanha e a fronteira com a Espanha. Uma jornada, segundo os planos, de quinze dias.

(Disse) Sim à viagem que não é sair da ilha, mas perder-se em volta dela. Às vezes, quando não existe solução, a única coisa a fazer é contornar.

Trecho do livro O mundo sem anéis, de Mariana Carpanezzi

Mariana tinha uma bicicleta de passeio, que a levava de casa para as aulas de yoga, nada profissional ou chique. Carol era a cabeça da viagem. Tinha tudo planejado. Mapas, rotas, pontos de parada, praias escondidas que visitariam. Foi ela quem deu à Mariana segurança para cair na estrada. “Eu nunca tinha montado uma barraca! Não sabia trocar um pneu. Foi meio bizarro”, ri.

A vida sem amarras
Então começa a história de como os 15 dias de Mariana, até então ciclista de cidade, viraram 100. O roteiro que Carol havia preparado chegava ao fim na cidade de Irun, na fronteira com a Espanha . “Eu sentia muita alegria pedalando, uma coisa inocente. Nos últimos dias já estava claro para mim que eu não queria voltar. Eu não tinha nada que me prendesse”.

Antes da viagem, tinha comprado uma passagem de volta para o Brasil. Remarcou. “Carol, eu não vou voltar”, deu a notícia à amiga. Sem drama, se despediram na estação de trem. Irun, por coincidência ou destino, é o ponto de partida do Caminho Basco até Santiago de Compostela, um dos muitos que levam à cidade. São pouco mais de 800 quilômetros. Dali, ela seguiu em jornada solo. Sem experiência, sem roupas caras de aventura ou ciclismo. Sem GPS nem planejamento. Carregava só um telefone “Nokião” antigo, meio sabonete e uma barraca barata.

Comprava mapas de papel em bancas de revista, se orientava pedindo ajuda a caminhoneiros e verdureiros pelo meio do caminho. Como o caminho basco não é dos mais populares entre os peregrinos – o mais comum é o chamado Caminho Francês -, Mariana pedalava horas, às vezes dias, sem ver viva alma pelas trilhas. Isso quando dava para pedalar.

Bruno Pimentel
Nem todos os trechos do trajeto são adequados para rodas e algumas vezes ela se viu afundando as sapatilhas de ciclismo – botas de trekking, claro, não estavam na sua bagagem – na lama, empurrando morro acima uma bicicleta de passeio e 20 kg de objetos pessoais, cercada de mato por todos os lados. As poucas pessoas que passavam, pareciam rir da sua ousadia ou despreparo. “Onde fui me meter?”, ela se perguntava, dormindo em albergues vazios, ouvindo só o eco da sua voz.

Quando cheguei (a Santiago), chorei como uma criança de quatro anos porque não queria voltar, porque não tinha para onde voltar, nem por que voltar, e nem por quem voltar.

Trecho do livro O mundo sem anéis, de Mariana Carpanezzi

Mesmo quando parecia que as coisas iam mal ou quando lhe faltavam forças para subir montanhas empurrando sua bicicleta, ela diz que nunca teve vontade de desistir. Mas houve, sim, momentos de desespero. Como quando pedalou cinco dias pelo deserto, dormindo em barraca, sem encontrar ninguém pelo caminho. “Era uma desolação mesmo. Eu passava horas sem ver ninguém. Os cinco dias não acabavam nunca. Quando acabaram, sentei e chorei”, conta.

Depois do Caminho de Santiago, Mariana continuou sua jornada. De lá, foi até Portugal. Depois, voou para Barcelona e pedalou pela Catalunha. Conheceu os Pireneus, uma região que ela diz que não se compara em beleza a nada que tenha visto antes. Andaluzia, na Espanha, um lugar que tinha o sonho de conhecer, ficou para o final da viagem. Setembro, lhe disseram, era uma época melhor para visitar a região. Aquela passagem para o Brasil, marcou e remarcou muitas vezes.

 

Bruno Pimentel

De vez em quando, me perguntam no que penso quando pedalo, e respondo que a minha bicicleta não serve para refletir, mas para esvaziar. Primeiro o não-nasci-para-as-manhãs. Depois, os traumas do passado. A raiva de Genebra e do doutorado, as ingratidões dos ex-namorados e amigos, diariamente, um por um, cada detalhe, o mundo imperdoável.

Trecho do livro O mundo sem anéis, de Mariana Carpanezzi

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Em pouco mais de dois meses, percorreu 5 mil quilômetros, bem mais que os mil que havia planejado lá no início, quando Carol lhe fez o convite. Em Granada, conheceu um menino que ia a Serra Nevada, a 100 km dali, e que queria passar um tempo em uma comunidade autossustentável. Foi junto. Lá, ao aprender a meditar, percebeu que a viagem toda havia sido uma grande meditação.

“Não necessariamente prazerosa”, ela sublinha. “Essa coisa de viver com você mesma e se entregar para o que está vivendo 100% é um tipo de meditação. E fica uma referência depois, muda mesmo”.

Ali, na comunidade, a viagem ganhou finalmente sentido. A jornada tinha acabado. Era hora de recolher os poucos pertences, os muitos aprendizados, e voltar.

Dois meses depois do fim da viagem, sua bicicleta foi roubada em Genebra. Um sinal de que o ciclo se fechava. E a Mariana inquieta que tinha tanta pressa de voltar ao Brasil, ficou pela Europa mais dois anos. Ao todo, foram quatro. Há dois meses está de volta a Brasília, sem o doutorado, mas com energias renovadas. A viagem trouxe aprendizados, mas ficou para trás. “Voltar é uma experiência tão intensa quanto ir”, ela diz. A viagem teve o seu lugar, mas não deve ser refeita.

Ficou registrada no livro “O mundo sem anéis – 100 dias de bicicleta”, o primeiro da sua vida, que escreveu por incentivo de amigos. É uma reflexão sobre toda a jornada, interna e externa. O título, cada um interpreta como quiser. “Ele veio durante uma meditação, mas não sei exatamente o que é. Algumas pessoas me dizem que é sobre viver sem compromissos”, comenta. Faz sentido.

 

Bruno Pimentel
Conhecer a Islândia é um sonho que incluiu até mesmo na sua descrição, no livro. É para lá que ela vai de bicicleta, um dia, se os planos vingarem. Afinal, começar do zero faz parte de quem ela é.

Escrevi e-mails quando cheguei em Madrid. Anunciei para amigos e parentes que já não tinha mais nenhuma pergunta para fazer para o mundo. A viagem de bicicleta tinha terminado.

Trecho do livro O mundo sem anéis, de Mariana Carpanezzi

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