A concorrência despacha ao lado. Vice-governador do DF, Renato Santana, trabalha para ser protagonista no Buriti
Renato Santana cava seu espaço político se afastando da impopularidade de Rollemberg. Ele trabalha para fixar a marca do “desatador de nós”. Mas conhecido de apenas 20% da população, o vice vai ter de suar a camisa para virar estrela
atualizado
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Um terço de madeira está sempre no bolso da frente da calça jeans do vice-governador, Renato Santana (PSD). No fim do dia, ele costuma pegar o amuleto para desatar os nós. Santana gosta de se apresentar como um solucionador de problemas. E criou o hábito de usar o objeto como metáfora.
Mas, como a política não é exatamente reduto de santos, Santana precisa somar à imagem de bom moço, o perfil do gestor safo, descolado da figura secundária esperada para um estepe de governador. O vice da vez está focado em construir sua personalidade pública até a próxima eleição. À época do último pleito, ele planejava campanha de distrital. Acabou como vice. Subiu no cargo, mas sabe que precisa pavimentar sua plataforma eleitoral. Deputado é eleito. Vice pega carona.
Para transformar prestígio em potencial eleitoral, Santana tem cumprido agenda típica de campanha. Trabalha cerca de 17 horas por dia, não nega entrevistas e faz reuniões itinerantes, em várias regiões administrativas. É uma opção política em gestação e sabe da importância para sua carreira de se fazer conhecer, além da figura de Rollemberg.
Santana acompanha com lupa as pesquisas de opinião sobre o governo. E procura se descolar dos problemas. Pesquisa encomendada pelo “Metrópoles” ao Instituto Dados mostrou, em outubro, que apenas 7% da população avaliam a gestão do governador como boa ou ótima. Daí a meta de Santana de lembrar aos eleitores que ele e Rollemberg não são a mesma pessoa. O mesmo levantamento, no entanto, revelou que Santana terá um longo caminho para se fazer notar. Oito em cada dez pessoas abordadas nas entrevistas não sabem quem é o vice-governador do DF.
Como quatro anos passam voando, Santana não perdeu tempo. No primeiro dia do governo, ele deu o número de seu celular, no ar, na Globo. Desde então, dedica algumas horas da madrugada para responder mensagens que recebe pelo WhatsApp. Assim, quando não está gastando sola de sapato, Santana faz sua média na ponta do dedo. Vale tudo para se tornar popular.
E para quem quer cair na boca do povo, quanto mais bandeiras, melhor. A variedade de assuntos nos quais o vice-governador envolveu-se no primeiro ano de gestão é grande, mas não aleatória. Santana seleciona com visão de futuro os assuntos pelos quais gostaria de ser lembrado.
Numa investida mais popular, ele meteu a colher de pau no preço da refeição no Restaurante Comunitário: “Foi um cálculo burro, uma economia burra”. Opinou sobre o local onde os times de futebol americano vão treinar e lamentou sobre a situação dos bichos idosos confinados no Zoológico de Brasília. O problema com os animais, inclusive, foi sugerido por ele como reportagem para veículos de comunicação, o que desagradou o governador, Rodrigo Rollemberg (PSB).
Na outra ponta do interesse de Santana estão os empresários. Afinal, o favor de hoje pode ser o financiamento de campanha de amanhã. Quando eles encontram dificuldades em conseguir alvará ou habite-se – que autoriza o início da utilização efetiva de construções –, surge a figura do vice, para resolver o impasse criado pela burocracia do próprio governo.
Santana lidera o grupo que trata de problemas relacionados a “estabelecimentos de alta complexidade”, negócios que envolvem milhões de reais. Ele convidou administradores, promotores e outros profissionais para visitar as obras e facilitar a emissão dos documentos. “São empresários que pagam milhares de reais em multas e deixam de investir na cidade”, explica.
Quase sempre mantidas nos bastidores da política, as diferenças entre vice e governador recentemente vieram a público. À época do confronto entre policiais e professores, que estavam em greve e pediam reajuste salarial, o partido de Rollemberg (PSB) e o de Santana (PSD), se enfrentaram por meio de notas publicadas na internet. Um tentou jogar a culpa no outro pelos excessos cometidos na ocasião.
NOTA OFICIAL PSD/DF
Posted by PSD – DF on Terça, 10 de novembro de 2015
Confira aqui a resposta do PSB
Nesse episódio, Santana precisou baixar a chama do fogo amigo. “Depois que os partidos se posicionaram, fui até a sala do governador e o convidei para fazermos um comunicado em conjunto e tirar uma selfie para mostrar que estava tudo bem”, relata. Rollemberg sabe que o perigo mora (e despacha) ao lado. Não rolou a selfie da amizade.
Reduto precioso
Aos 42 anos, Santana é servidor do GDF há 22. Foi diretor de cultura e administrador regional, na cidade onde vive, Ceilândia, a maior região administrativa do DF. Lá conheceu Rogério Rosso, seu padrinho político. Embora sempre tenha morado no Plano Piloto, Rosso, que hoje é deputado federal, enxergou em Ceilândia um valioso reduto eleitoral. Os dois são amigos de longa data. Santana, inclusive, trabalhou em várias campanhas do companheiro. O que lhe rendeu a indicação a vice, validada por Rosso.
O conheci quando fui convidado pelo então governador, Roriz, para ser administrador de Ceilândia. O que mais me chamou atenção nele foi o jeito muito ativo e participativo
Rogério Rosso
De Ceilândia, no entanto, não ecoam só vozes simpáticas ao substituto de Rollemberg. O deputado distrital Chico Vigilante (PT) acha que Santana é preposto de Rosso no governo.
O fato de o governador ter perdido a eleição em Ceilândia, no primeiro e no segundo turno, diz muito sobre o Renato
deputado distrital Chico Vigilante, também de Ceilândia
A ambição e o protagonismo do vice já se tornaram óbvios nos corredores do Buriti. Os colegas da Casa comentam sobre a relação delicada entre o chefe do Executivo e aquele que deveria ser o seu braço direito.
“Santana faz um governo paralelo. No dia da desocupação da Orla do Lago Paranoá, uma ação polêmica, mas positiva, ele esteve lá. No dia de anúncio de medidas impopulares, como aumento de impostos, por exemplo, ele não deu as caras e se afastou da figura do governador”, afirmou um integrante do governo.
Na internet, as perspectivas se desenham em forma de especulação. Bem articulado que é com lideranças comunitárias de Ceilândia, Santana jogou a semente e tem colhido os frutos, por enquanto, virtuais. Nas redes sociais, pipocam enquetes plantadas com a pergunta: “Renato Santana deve se afastar de Rollemberg e sair como candidato ao governo, em 2018?”. Face to face, o vice desconversa: “Eu faço o melhor que posso para amenizar os problemas do governo. Estou com o governador”.
Improbidade administrativa
Mas há uma pedra que pode entrar no sapato gasto do vice e incomodar a estratégia de alçar voos mais altos. Trata-se de uma ação movida pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) por improbidade administrativa em uma licitação para obras de asfalto, em Ceilândia, que está na fase de notificação dos seis réus envolvidos. Um deles é Santana, presidente da comissão de licitações da administração de Ceilândia, à época. Os outros réus são engenheiros e empresários da construção civil.
A licitação foi montada com resposta de preço já determinado, para possibilitar a vitória da Froylan Engenharia Projetos e Comércio. Fizemos uma busca e apreensão na administração de Ceilândia que comprova tudo isso. Temos toda a combinação, que foi feita inclusive por e-mails. Coube ao Renato Santana montar a disputa de maneira que o resultado fosse favorável à Froylan
Gustavo Ferreira, promotor da promotoria de defesa do patrimônio público do MPDFT
O caso corre na 2ª Vara de Fazenda Pública. Os réus podem ser condenados por dano ao erário público e podem perder seus direitos políticos. Além de ter de devolver R$ 435 mil (com correção monetária) aos cofres públicos. “O processo pode levar mais de dois anos para ser concluído”, avaliou o promotor.
Renato nega todas as acusações. “Minha preocupação é zero. O contrato tinha problemas burocráticos, em 2007. Quase 10 anos depois, assim que anunciei a candidatura, desenterraram isso por perseguição”, afirmou.
Popularidade
Apelidado de Barack Obama do cerrado pela certa semelhança física com o presidente dos Estados Unidos, Santana teve uma trajetória pouco glamourosa antes de entrar para a política. Foi engraxate, feirante e soldado no Exército Brasileiro. Os pais dele, Enedino e Arlinda, eram produtores rurais, em Brazlândia, antes de se mudarem para Ceilândia. Santana tem apenas o ensino médio completo. Iniciou vários cursos técnicos e superiores, mas não terminou nenhum. “Os 22 anos de serviço público e meu tempo de Ceilândia me trazem a sensação de aprendizado na universidade da vida”.
Quando é confrontado, o vice costuma colocar as resistências ao seu nome na conta do preconceito. Ele se considera um vencedor, mas, ainda assim, não se sente livre da discriminação.
A sociedade AAA do DF não aceitou um vice-governador negro, morador de Ceilândia e filho de feirantes. Muita gente não engoliu isso ainda
Renato Santana, vice-governador do DF
No roteiro político que quer protagonizar, Santana investe no figurino e no cenário. Dono de dois imóveis em Águas Claras – uma casa em um condomínio e um apartamento em Águas Claras -, ele não planeja se mudar do P Norte. “Aqui é a minha residência oficial”, diz. Os dois bens, entretanto, não entraram na declaração da campanha para o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) – que totalizam R$ 621.000 -, pois o apartamento está em nome da mulher de Renato, Danúbia, 38 anos. A casa pertencia ao cunhado, foi vendida em uma negociação familiar, mas não foi transferida ainda. O casal está junto há 17 anos.
A residência onde vivem tem 170 metros quadrados e algumas rachaduras na parede, causadas por uma obra do vizinho. O portão é coberto pelo colorido do grafite feito por moradores da região. “A cada seis meses, um grupo faz uma pintura nova. Evita pichação”, explica. Os vizinhos passam em frente à casa e deixam cartas e currículos com pedido de emprego, debaixo do portão.
Os símbolos do Corinthians estão espalhados por todos os cômodos. Santana é um dos fundadores da torcida organizada Gaviões da Fiel, no DF. Imagens religiosas dividem espaço com os escudos do time. O vice-governador é católico, diz frequentar a Paróquia São Marcos e São Lucas, no P Norte, religiosamente às 8h de domingo. Só que os fiéis mais assíduos não confirmam as aparições regulares do vice. À imagem e semelhança de seu padrinho político Rosso, Santana se tornou um entusiasta do ciclismo. Costuma pegar o metrô, em Ceilândia, com sua bike, para ir ao Parque da Cidade.
Eu e ela! Pedal do Frei! Mobilidade Urbana! Bora Pedalar! Uma foto publicada por Renato Santana (@renatosantanadf) em
Semelhanças
A paixão pela música também é uma característica de Santana. O vice-governador tem uma coleção com 2.500 discos de vinil.
Ele alimentou seu lado musical quando teve seu primeiro herdeiro, Vinícius. De uma de suas bandas preferidas, o Ira, veio a inspiração para batizar não só o primogênito, mas todos os filhos: Vinícius Scandurra, Renata Scandurra e Ramirez Scandurra, uma homenagem ao guitarrista do conjunto, Edgard Scandurra.
Eu era muito fã do Edgard Scandurra, por conta da história da guitarra, e tive essa ideia. Eu era um babaca de 20 e poucos anos. Fui com minha família ao show dele, uma vez, e o Vinícius, meu filho mais velho, contou essa história para ele, que ficou chocado
Renato Santana
Em cima do móvel da sala, o vice-governador exibe uma miniatura de guitarra Fender, edição limitada. Foi presente de Rosso. Se a vida pessoal dos dois se esbarra, a carreira política da dupla caminha lado a lado. Cada passo dado por Renato o conduz à trilha de Rosso. Não seria surpresa se Santana anunciasse que vai concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados. Quem sabe até ande ensaiando um solo na política, com uma candidatura majoritária. São cenas dos próximos capítulos de uma saga cujo o final estará em cartaz em 2018. Até lá, assistiremos episódios de traições, alianças, encontros e desencontros.
aColaborou Rafaela Lima
Veja galeria com imagens do cotidiano do vice-governador