Minha renovação nesta Páscoa é viver sem filtros. E a sua?
Um mês antes do meu irmão morrer com câncer comecei a tomar ansiolíticos, droga que freia as emoções. Um ano depois de sua partida, resolvi viver sem filtros, com as dores e as delícias naturais da vida
Lilian Tahan
atualizado
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Faltando um mês para o meu irmão morrer fui ao psiquiatra. Já não sonhava. Era só pesadelo. As minhas noites ficavam ensopadas de suor físico e tempestade mental. Precisava de ajuda. Mas as pessoas queridas que me cercavam também estavam fragilizadas. O nosso Luciano estava indo embora. Pra sempre. Quando não consegui mais suportar a dor daqueles momentos, comecei a tomar remédios.
O ansiolítico está para a vida, como o filtro, para a foto. Eles turvam a realidade. Disfarçam o feio e mesmo o que é colorido ganha tom pastel. Ri menos. Chorei menos ainda. No último ano, dei de ombros para muitas questões que poderiam ter me aborrecido sem os remédios que freiam as emoções.
Meu irmão morreu de câncer no cérebro em 18 de março de 2015. Quando completou um ano desde a sua partida, parei de tomar os ansiolíticos. Não foi planejado. Contrariei a orientação médica e, por isso, meu corpo sentiu. Nos últimos dias, fiquei nervosa, voltei a suar de noite. Tenho sentido pequenos choques na cabeça. Olhar perdido. Vontade de rir alto e de chorar também. Mas não voltarei atrás.
A partir de agora, vou viver sem filtros, venha o que vier. Minha tia mais querida, Juhan, por quem tenho adoração, está doente. É câncer. Há quatro Páscoas, ela decidiu que lutaria bravamente pela vida. É o que tem feito. Uma batalha atrás da outra. Foram duas operações, incontáveis sessões de quimioterapia, cirurgias para tirar água do pulmão que afoga a seco. Tudo com uma dignidade e uma esperança que ensinam os que assistem impotentes essa cruzada pessoal.
Nadja, minha sogra, outra pessoa a quem admiro profundamente, também está enferma. É câncer. Em 20 anos de convivência, nunca a vi frágil. Ontem, pelo telefone, ela chorou. Acha que está muito nervosa. E não tolera a hipótese de incomodar. Fez de sua vida o mantra de que é dando que se recebe. É uma dama.
Vivo cercada de sobreviventes dessa doença que abreviou a vida do meu irmão aos 38 anos. Sinto uma saudade infinita.
A guerreira Priscilla Borges, editora-chefe do Metrópoles, é uma delas. Ela ganhou. Está curada. Toda vez que entra em minha sala sorridente, reconheço que o câncer não faz só vítimas fatais. Há aqueles que estão aí para contar suas histórias vitoriosas. A brava Maria Eugênia, editora do portal, é outra vencedora. Eugênia é uma atleta das pautas e das ruas. Quando não está às voltas na redação com toc-toc dos seus saltos 8 cm, ela está de tênis em alguma pista desta cidade, correndo atrás de saúde. A elas, toda a minha admiração.
Assisti a tudo isso como se estivesse dentro de um filme. Protegendo a mim mesma de sentir. Sentir alegria por estar viva. Sentir tristeza por ver pessoas tão queridas e preciosas sofrendo. Agora, decidi viver a vida sem filtros. Vou rir mais, chorar mais, lutar pelas pessoas que amo com toda a dor e a alegria envolvidas no processo da vida. O meu renascimento é esse. E, você, como decidiu renascer nesta Páscoa?
Lilian Tahan é jornalista e diretora de redação do Metrópoles