Em Brasília e BH, Pearl Jam se confirma como um dos grandes shows de rock da atualidade
Destacando-se de sua geração, a banda de Eddie Vedder se apresenta como uma espécie de novo Grateful Dead. Confira os repertórios dos dois shows
atualizado
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“Touring Band 2000” é o nome do DVD que o Pearl Jam lançou com o registro oficial da turnê norte-americana do álbum “Binaural”. Pensando agora, essa expressão, “banda de turnê”, soa como a mais precisa definição para o que um dos grandes conjuntos musicais dos anos 1990 se tornaria ao longo de sua segunda década de atividades.
Agora em turnê brasileira, movimentando estádios padrão Fifa, o Pearl Jam faz no domingo (22/11) sua quinta apresentação por estas bandas, no Maracanã, Rio de Janeiro. Antes passara por Porto Alegre e São Paulo, por Brasília e Belo Horizonte.
Feitos na sequência, entre terça e sexta-feira passadas, os concertos do Mané Garrincha e do Mineirão ilustram bem a ética e o método desta “touring band”. Os repertórios do Pearl Jam constantemente giram em torno de 30 e tantas canções, batendo em três horas de música, divididas em três partes: o set principal (hora e meia de duração) e mais dois bis (cerca de 40 minutos cada).
(Em brasas durante o concerto de BH, Eddie Vedder mandou um oi para a Vale e para a Samarco e pediu punição aos culpados pelo desastre em Mariana (MG). Ainda prometeu doar parte dos lucros com o show à cidade.)
Entrando todos na casa dos 50 anos de idade, Eddie Vedder e seus amigos Mike McCready e Stone Gossard (guitarras), Jeff Ament (baixo) e Matt Cameron (bateria) conseguem manter a cada vez, por todo esse tempo, intensidade sonora e destreza técnica surpreendentes.
A cada número eles se entregam totalmente, a concentração é máxima, pouco importa se for um hit single, uma faixa obscura perdida em disco antigo, uma canção nem tão conhecida do álbum mais recente ou um empréstimo do repertório de algum ídolo de suas adolescências… Nenhum minuto se perde ali, nenhum momento é tolo.
Hipnótica e circular
Diante da intensa carga dramática de cada show, talvez não seja exagero dizer que se tratam de narrativas em três atos. E embora o repertório de cada data mude transversalmente, em conteúdo e em ordem das músicas, a dinâmica se mantém.
Tanto em Brasília quanto em Belo Horizonte, a banda abriu seus trabalhos de mansinho. Aqui, mandaram a lenta “Release”. Ali, buscaram a psicodelia beatle de “Rain”. No entanto, essa placidez inicial vai sendo eletrificada pela vibração da arena e a sucessão de canções vai num crescendo que estoura lá adiante. Pode estourar justamente dentro de um hit pleno, como aconteceu em “Even Flow” no Mineirão. Mas pode estourar também pelo transbordamento de um tema executado em seu limite, como “Rearviewmirror”.
Nesse clímax, quando as luzes brancas do palco giraram hipnóticas e circulares como luzes de carros de polícia para “Rearviewmirror”, pode-se entender o tamanho da conquista do Pearl Jam. Para usar referências mui caras aos artistas envolvidos, a banda soa como se Jimi Hendrix tocasse guitarra nos Stooges — e como se os Stooges se apresentassem não mas bibocas underground de Detroit, mas em estádios de beisebol, estádios de Copa do Mundo.
Depois de anos de estrada, os músicos do Pearl Jam já farejam no ar o clima da multidão e, pode crer, percebem de imediato esse ponto de catarse quando ele é atingido. Então a banda volta para o segundo ato um tanto mais soltinha. Eddie Vedder chega primeiro, sentado ao violão ou ao ukelele, e os colegas vão entrando na maciota por debaixo dele. Aqui em Brasília, essa perícia envolveu “Redemption Song”, um tema original de Bob Marley, que foi iluminada pelo órgão rastafari providenciado sem pressa pelo havaiano Kenneth ‘Boom’ Gaspar, músico de apoio do Pearl Jam desde 2002.
Com todos de volta ao palco, a banda continua arremessando pepitas escarlates de grunge incandescente, mas agora se sente mais cool e relax para entremeá-las com outras sensações. Em Belo Horizonte, foi nesse trecho do espetáculo que Vedder fez uma dupla homenagem aos trágicos acontecimentos de Paris há um par de semanas, puxando a plateia para acender celulares (e fazer inevitáveis selfies) em “Imagine”, de John Lennon, e depois pescando “I Want You So Hard”, um rock do Eagles of Death Metal, a banda que se apresentava no Bataclan naquela infame noite.
Truques de arena
“Given to Fly” é uma daquelas sete ou oito canções que não saem do repertório atual do Pearl Jam. Além do sucesso popular, esse baita hard rock tem um outro trunfo. É o momento em que os telões exibem um vídeo em homenagem à cidade visitada. Em Brasília, entraram a Esplanada dos Ministérios e a Ponte JK. Em Belo Horizonte, a Lagoa da Pampulha e os morros cobertos por prédios. Imagens feitas horas antes, com as filas de fãs já se formando durante a tarde diante dos estádios são especialmente gentis e ganham da multidão urros em agradecimento.
Eddie Vedder volta e meia toma um papel e o lê num português improvisado, servindo para deixar ele e a plateia mais ligados emocionalmente. Vedder também faz questão de lembrar o quanto Matt Cameron é um cavalo selvagem por trás de sua bateria. Jeff Ament e Stone Gossard também recebem suas merecidas deferências. Mike McCready nem precisa de introduções: o camarada consegue solar com a guitarra apoiada na nuca e tira fraseados supersônicos de Eddie Van Halen.
Peripécias para entreter arenas. Brincadeiras aprendidas por quem leu e decorou o grande almanaque do rock and roll, de Led Zeppelin a The Who. Manhas que levam o concerto a seu terceiro ato, quando enfim entra a transcendental “Alive”. Em Brasília, teve também uma de Pete Townshend (“Baba O’Riley”) e as luzes do Mané se acenderam na balada jazzy “Indifference”. Em Belo Horizonte, ainda coube Neil Young (“Rockin’ in the Free World”) e o Mineirão se despediu de seus heróis com “Yellow Ledbetter”.
Nos anos 1960, época dos prezados Pete Townshend e Neil Young, a banda californiana Grateful Dead se notabilizou por levar o jazz para dentro do rock e se lançar a experimentos sonoros-psicodélicos que ganhavam sua plena dimensão sobre o palco. Então seus shows se derramavam por horas a fio, cada música era esticada de mil diferentes maneiras e os fãs logo perceberam que aqueles sujeitos eram incapazes de fazer um show igual ao anterior. Caravanas se formavam para acompanhar as turnês do Grateful Dead na certeza de que cada apresentação seria um momento único e irrepetível.
Pois bem… O Pearl Jam, e mais ninguém, se tornou o Grateful Dead.
Repertório de Brasilia (17/11)
“Release”
“Wash”
“Nothingman”
“Corduroy”
“Lightning Bolt”
“Mind Your Manners”
“Brain of J.”
“Tremor Christ”
“In My Tree”
“Even Flow”
“Rain” (The Beatles)
“Unthought Known”
“My Father’s Son”
“Animal”
“Daughter”
“Habit”
“Given to Fly”
“Lukin”
“Rearviewmirror”
“Redemption Song” (Bob Marley & The Wailers)
“Mother” (Pink Floyd)
“Sirens”
“Jeremy”
“Supersonic”
“Why Go”
“Leash”
“Porch”
“Last Exit”
“Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town”
“Better Man”
“Do the Evolution”
“Crazy Mar” (Victoria Williams)
“Alive”
“Baba O’Riley” (The Who)
“Indifference”
Repertório de Belo Horizonte (20/11)
“Rain” (The Beatles)
“Sometimes”
“Elderly Woman Behind the Corner in a Small Town”
“Go”
“Mind Your Manners”
“Once”
“Got Some”
“Rearviewmirror”
“Pilate”
“Even Flow”
“Infallible”
“Given to Fly”
“I’m Open”
“I Am Mine”
“Satan’s Bed”
“Deep”
“Jeremy”
“Why Go”
“Bee Girl”
“Sleeping by Myself”
“Imagine” (John Lennon)
“Sirens”
“Do the Evolution”
“I Want You So Hard” (Eagles of Death Metal)
“Corduroy”
“Mankind”
“Porch”
“Eruption” (Van Halen)
“Garden”
“Comfortably Numb” (Pink Floyd)
“Lightining Bolt”
“Black”
“Sonic Reducer” (Dead Boys)
“Alive”
“Rockin’ in the Free World” (Neil Young)
“Yellow Ledbetter”