Ellen Oléria fala sobre a carreira, o novo CD e o show “Afrofuturismo”
A artista apresenta de quinta (7) a domingo (10), na Caixa Cultural, o repertório do novo álbum e passeia pela carreira em canções como “Testando” e “Mandala”, do disco de estreia
atualizado
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Ellen Oléria está de volta a Brasília. De quinta (7/4) a domingo (10/4), a cantora e compositora apresenta ao público do Teatro da Caixa as músicas do trabalho mais recente, “Afrofuturista”. Os shows vão ter participação especial do grupo Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro, que toca na música “A Nave”, a mesma da qual participaram na gravação do álbum. Em entrevista ao Metrópoles, Ellen falou sobre a carreira e sobre o novo álbum – mais “plástico” e influenciado por samba, forró, carimbó, afoxé e maracatu, entre outras sonoridades.
“Afrofuturista” é o nome do seu novo disco. Qual é o significado desse título?
O afrofuturismo é um discurso, uma linguagem, uma estética, um lugar ou um devir que atualiza as heranças afrodiaspóricas num encontro com as tecnologias de produção e reprodutibilidade do saber no mundo contemporâneo. Eu, me identificando com essa corrente de pensamento, me percebo como uma “afrofuturista”, ou seja, visito minhas ancestralidades e as atualizo em meu tempo e espaço, utilizando as tecnologias a que tenho acesso. Fundamentalmente, falando do conceito mais revolucionário que conheci: o amor.
Em ‘Afrofuturista’, estou imersa em dois vetores, as minhas rotas e as minhas raízes. Ser afrofuturista é uma maneira de construir e remontar identidades de maneira ficcional ou poética, potencializando reais
Qual é a diferença essencial do novo CD para os trabalhos anteriores?
Minha intenção foi trazer mais plasticidade ao meu som, que sempre foi orgânico e acústico. Agora, uma coleção de camadas de sintetizadores, pedais e efeitos trazem uma sonoridade mais difusa. Eu também experimentei o repertório em palco antes de levar pro estúdio, isso trouxe outra relação com as faixas. Mas o “Afrofuturista” é um híbrido. É para além de um disco, um espetáculo pensado a partir da canção mas também a partir do figurino, da iluminação, da performance, dos timbres e de um conceito mais abrangente que minha relação com o gosto.
A música nordestina é um dos gêneros brasileiros presentes no álbum. Qual é a sua relação afetiva com esse gênero?
Assim como os estadunidenses experienciaram no jazz, no funk, no r&b e no rock, ou o Caribe conheceu na salsa e no mambo, eu mergulho nas minhas memórias, referências e pertencimentos pra contar o que meus olhos viram e meus ouvidos conheceram. Afetivamente, estou contando algumas dessas histórias com a alegria de espelhar. Devolvendo o que recebi.
Não entendo a música nordestina como apenas um gênero. Percebo nas Américas e no Caribe, isso inclui o Nordeste brasileiro, uma produção complexa com inúmeras ramificações. Ijexá, vasse, afoxé, ginká, ramunha, barra vento e cabila são parte da música nordestina, mas são fruto da cultura de terreiro também. Maracatu, samba, choro, maxixe e o forró são música nordestina, mas são também música do Brasil inteiro, que conheceu a presença negra escrevendo a história através de uma cultura rica e diversa
Para falar das presenças rítmicas, harmônicas e poéticas no “Afrofuturista”, então, preciso falar da música brasileira em seus sertões e interiores a partir de um olhar urbanóide de uma artista vinda do Planalto Central conectada nessas mesmas fontes, ritmando a palavra com a influência do rap e das violas.
São 15 anos de carreira e muita história pra contar. O que você ainda não fez, mas deseja realizar nos próximos anos?
Tenho sido surpreendida com vários projetos interessantes que me tiram da zona de conforto, que é o palco, e me provocam profundamente. Cantar olhares de um futuro que entendo como “o agora”, ao mesmo tempo em que apresento o “Estação Plural”, na TV Brasil, tem sido bem louco. Enquanto vou aprendendo da linguagem televisiva, o que tô adorando fazer, eu continuo escrevendo as canções que vão compor o musical “Alvorada”, que devo compor o elenco, além de fazer a direção musical. Meu futuro tem sido literalmente o agora.
O show de Brasília vai além do repertório de “Afrofuturista”? Você canta músicas de outros álbuns e de outros artistas?
No show, passeio pela minha carreira em canções como “Testando” e “Mandala”, ambas canções minhas do meu primeiro disco que marcaram muito essa fase inicial da minha trajetória na música, principalmente enquanto compositora. Canto também “Zumbi” do Jorge Ben Jor, que gravei no meu primeiro DVD e foi a música que me apresentou para um grande público. Canto Milton Nascimento e Vinicius de Moraes, e estou bem feliz com o resultado das canções inéditas também. Mesmo sem conhecer o disco, as pessoas podem cantar junto e balançar um bocado.
Hoje, alguns anos depois, como você avalia a participação no “The Voice Brasil”? Foi realmente um divisor de águas na sua carreira ou é apenas um capítulo na sua biografia musical?
Acredito que o “The Voice Brasil” foi um capitulo na minha biografia musical, mas jamais diria “apenas” para isso (risos), principalmente porque o programa foi de fato um capítulo marcante. Um divisor de águas? Talvez. A superexposição no programa me deu a oportunidade de mostrar o meu trabalho para um número imenso de pessoas, que continuam comigo pelos palcos por onde tenho passado.
A força da TV fora do Brasil também trouxe eventos interessantíssimos nas minhas passagens por outros países. Mas é certo que cada instante, cada show, cada público em cada cidade por onde eu passei, cada passo, cada erro e cada acerto são determinantes pra que eu continue seguindo, estudando, planejando minha carreira e ultrapassando minhas limitações
Nas entrevistas, você faz questão de sempre lembrar que é preta, lésbica e de origem pobre. Em tempos tão reacionários, qual é a importância de mostrar e valorizar seus lugares de fala?
Não é que eu faça questão de lembrar. É que não seria possível esquecer. Não posso me despir do que sou. Não faço questão de falar sobre as dimensões e os recortes de minhas identidades também. Só sou essa que tenho sido. A importância de poder ser? É que o mundo é seu e o mundo é meu também. Isso, sim, faço questão de lembrar.
De 7 a 10/4. De quinta a sábado, às 20h; e domingo, às 19h, no Teatro da Caixa Cultural (Setor Bancário Sul, Quadra 4, Lotes 3/4; 3206-6456). Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). À venda na bilheteria do teatro. Não recomendado para menores de 12 anos.