Brasiliense vencedor do Casa de las Américas investirá prêmio em biblioteca para minorias
Além dos US$ 3 mil que receberá, Cristian Santos vai investir parte do próprio salário no projeto. Inauguração do espaço está prevista para outubro
atualizado
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Cristian Santos, bibliotecário da Câmara dos Deputados lotado na liderança do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), tem uma história de vida digna de um livro. Com apenas 38 anos, possui seis graduações de nível superior (uma delas ainda em andamento), mestrado, doutorado e está encerrando o pós-doutorado – o mais alto título emitido pela Academia.
Além disso, é fluente em três línguas e na semana passada foi laureado pela Casa de las Américas, um dos mais importantes e tradicionais prêmios literários da América Latina — o reconhecimento veio pelo livro “Devotos e Devassos: Representação dos Padres e Beatas na Literatura Anticlerical Brasileira”.
Tudo isso após superar as condições financeiras de sua família durante a infância: ele vendia cocadas nas ruas de Brazlândia para pagar o ônibus que o levaria ao Elefante Branco, escola localizada na 908 Sul.
Foco nos estudos
Quando era criança, Cristian Santos queria estudar espanhol no Instituto Cervantes, centro de ensino referência na cidade. Porém, a difícil condição financeira o havia desanimado. O mesmo não ocorreu com sua mãe, que escreveu uma carta contando o desejo do filho e pediu para que Cristian a entregasse nas mãos do diretor da escola.
Ele fez o que lhe foi mandado, mas voltou chorando por conta da negativa do diretor. Sua mãe, firme, pediu para que segurasse o choro e que guardasse a carta para tentar no ano seguinte.
Inesperadamente, na segunda tentativa a carta deu certo e ele fez o curso de espanhol no Cervantes gratuitamente. O conselho da mãe virou uma espécie de mantra – e fez dos estudos o principal objetivo de vida. Posteriormente, faria (também de graça) francês na Aliança Francesa e inglês na Thomas Jefferson.
Seu esforço foi para além dos estudos de línguas e se espelhou também na graduação. Na Universidade de Brasília (UnB) ele se formou em biblioteconomia (1999), letras – francês (2004) e tradução – francês (2008). Depois, concluiu filosofia (2012) na Metodista de São Paulo e teologia bíblica (2014) na Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro. E não foi só isso. Voltou para a UnB e fez mestrado em ciências da informação (2005) e doutorado em literatura (2010). Como se isso não fosse o bastante, atualmente Cristian está se graduando em direito pelo Centro Universitário UDF e conquistando o pós-doutorado em história pela Fundação Casa de Rui Barbosa.
Durante a trajetória, Cristian vem colhendo os frutos de seus estudos. Em 2000, ele passou no concurso para ser bibliotecário no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nove anos depois, foi um dos primeiros colocados no concurso de biblioteconomia na Câmara dos Deputados – local que trabalha até hoje. Hoje, mal consegue contabilizar os países que conheceu em viagens para congressos e seminários na área.
Premiação
Projeto final para a obtenção do título de doutor na UnB, “Devotos e Devassos: Representação dos Padres e Beatas na Literatura Anticlerical Brasileira” foi indicado na categoria de “literatura brasileira” no Casa de las Américas e anunciado como campeão na quinta (28/1). O prêmio não era esperado pelo escritor. “Já havia concorrido na última edição do prêmio Jabuti e perdi. Não havia nem imaginado que ganharia um prêmio mundial”, diz.
De acordo com o jurado da premiação latino-americana, o estudo de Cristian realiza “uma revisão histórica minuciosa da temática anticlerical a partir da análise de obras clássicas do cânone como ‘O Mulato’, de Aluísio Azevedo, e novelas esquecidas como ‘Morbus’, de Faria Neves Sobrinho”.
O Casa de las Américas existe desde 1960 e a entrega do prêmio é feita anualmente em Havana, Cuba. Trata-se de uma das competições literárias mais importantes da América Latina. Tem como jurados especialistas de diversos países americanos.
Como prêmio, o autor ganha US$ 3 mil e a publicação de 10 mil exemplares em língua espanhola. O dinheiro será revertido para o projeto Biblioteca da Diversidade, encabeçado pelo autor.
Biblioteca para minorias
Empoderamento por meio da leitura. Essa é a proposta de Cristian Santos ao elaborar a Biblioteca da Diversidade. “Quero criar um local onde minorias sexuais e religiosas possam se sentir contempladas”, afirma Cristian. Mesmo atento para a questão da liberdade de religião, o bibliotecário afirma que, de fato, a biblioteca terá especial atenção com o público LGBT.
O ambiente, programado para ter inauguração em outubro deste ano, deve contar com café, sala de vídeo e espaço para que os visitantes possam conversar.
As pessoas têm de se afastar daquela ideia de que a biblioteca é só um depósito de livros. Na verdade, é para ser um lugar vivo, de constante trocas de informações
Cristian Santos
Além do espaço, Cristian afirma que vai oferecer um serviço de empréstimo delivery, em que um motoboy entregará e buscará livros diretamente nas casas das pessoas.
Como o bibliotecário não quer que a biblioteca seja vinculada a partidos políticos, está guardando metade de seu salário para investir no local. Além disso, vai aplicar o prêmio da Casa de las Américas no projeto. Além disso, criou um calendário em que outros bibliotecários de todo o país posam nus. O anuário, vendido por R$ 50, tem feito bastante sucesso e já teve 400 exemplares comprados. Tudo para que o sonho se torne realidade.
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