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Woody Allen recicla velhos temas em “Café Society”, que abre Cannes

Sem spoilers: como na maioria dos trabalhos do cineasta, o gancho inicial é a perspectiva do adultério, suas possibilidades e suas consequências

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café society
1 de 1 café society - Foto: Divulgação

Não adianta — certas questões da humanidade serão sempre debatidas, mastigadas, reformuladas e recorrentes, e ninguém sabe mais disso do que o cineasta americano Woody Allen. Trabalhando como roteirista desde 1950 e diretor desde 1966, ele recicla com fervor esses temas. “Café Society”, que abre o Festival de Cannes de 2016, não é diferente. Ele constantemente oscila entre a comédia e o drama, o superficial e o profundo, mas, em seu filme mais recente, mescla suas vertentes de modo leve e divertido.

Hollywood na década de 1930: cansado de sua existência nova-Iorquina, Bobby Dorfman (Jesse Eisenberg) decide se mudar para Los Angeles e trabalhar para o tio Phil (Steve Carell), poderoso empresário do cinema. Começando como office-boy, Bobby se apaixona pela secretária Veronica (Kristen Stewart) e decide conquistá-la, apesar dela ter um namorado. Anos depois, de volta a Nova York, Bobby tem de lidar com as consequências de suas tentativas.

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Allen e os protagonistas do filme nos bastidores: adultério, possibilidades e consequências


Triângulo amoroso

“Café Society” não é um filme sobre Hollywood. Embora comece com uma narração do próprio Woody Allen — em que ele diz como a luz do pôr do sol transforma Hollywood numa fantasia –, não existe aqui um comentário sobre o mundo do cinema, mas sim sobre os relacionamentos que nele ocorrem.

Como na maioria dos trabalhos do cineasta, o gancho inicial é a perspectiva do adultério, suas possibilidades e suas consequências. Pois, enquanto a personagem de Stewart tem um relacionamento um pouco complicado, ela se apaixona também por Bobby. Nesse triangulo amoroso, alguém vai sofrer.

Em certo momento, um personagem fala que “o amor não correspondido mata mais que a tuberculose”. Como não poderia ser diferente num filme recente de Allen, em algum momento seus personagens se reúnem em torno de uma mesa de jantar para discutirem temas filosóficos. Se aqui tivesse um prêmio de atores coadjuvantes, os louros certamente iriam para os intérpretes da família de Bobby.

Os pais do personagem são idosos e passam parte do tempo obcecados com sua ascendência judia. Mãe e pai sempre reclamam um do outro para o resto da família, mas se dão bem. O irmão é um gângster, que se livra de seus obstáculos com revólveres e concreto. Ele, aliás, está prestes a inaugurar uma boate e quer Bobby na administração.

A irmã é casada com um intelectual passivo e os dois sofrem com um vizinho infernal. Nesse último storyline, fãs de Allen reconhecerão uma refilmagem de seu longa anterior, “Homem Irracional”. Apesar do número grande de coadjuvantes, cada um explora uma ideia, cada um tem suas próprias vontades e cada um tem um pouco de sabedoria a compartilhar com o espectador.

Comédias e dramas
“Café Society” atinge seu sucesso neste truque inusitado: o filme parece ser simplório e engana que é uma comédia para depois surpreender com drama e com ideias de peso. Nesse esforço, Allen consegue mesclar bem as duas vertentes da dramaturgia.

O cenário de Hollywood é sempre filmado com a luz do pôr do sol, independentemente de que horas sejam, e lá as pessoas aparentam ser tão fúteis quanto imaginamos. Sempre fazendo propagandas deles mesmos e constantemente mencionando os artistas que “acabam de encontrar”, os membros da indústria estão mais interessados em si do que nas outras questões filosóficas. Eis aí talvez um interessante contraste entre a família humilde e o artista cosmopolita.

Removidos dos dois mundos, Bobby e Veronica formam um casal no purgatório. Jovens, ainda não tiveram que se comprometer nas carreiras e nos ideias. Mas Allen não está interessado em mantê-los inocentes. Na metade do filme, força uma decisão que terá consequências pelo resto da vida dos personagens.

Numa idade avançada, Allen sabe que as ideias mais interessantes não estão no romantismo do “e foram felizes para sempre”, mas sim no que vem depois. Apesar de procurar respostas para perguntas que jamais serão respondidas, o cineasta continua explorando os temas que o movem.

Woody ou Nelson?
Não pude deixar de fazer uma associação enquanto assistia “Café Society”. E consequentemente desejei futilmente um encontro que não tem mais como acontecer, entre Woody Allen e o dramaturgo e jornalista brasileiro Nelson Rodrigues.

Apesar de mais escrachado e menos preocupado do que Allen, Nelson também foi um grande intelectual e exímio crítico da famosa bourgeoisie. Além disso, ambos sempre aproveitaram o gancho de um homem mais velho apaixonado por uma novinha. “Café Society”, como não podia deixar de ser, tem isto também.

Alheios à política e à cultura contemporânea, os dois inovam e analisam com lentes humanistas, sempre trazendo suas ideias para o âmbito de algumas poucas pessoas e alguns poucos relacionamentos.

Parecem concordar que entre um homem, uma mulher, e seu cotidiano existe um universo de riquezas infinitas para serem exploradas. Mas enquanto Nelson Rodrigues foi cínico o suficiente para banhar seus roteiros em perversão, Woody Allen mantém-se otimista na sua visão humana.

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