Raro musical brasileiro, “Sinfonia da Necrópole” tem coveiros e zumbis
Com músicas originais e coreografias, primeiro longa solo da paulistana Juliana Rojas está em cartaz no Cine Brasília
atualizado
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Num cemitério brasileiro qualquer, os coveiros cantam para espantar seus males. Ali, os mortos despertam, soltam a voz e requebram seus corpos em decomposição. Essa sinfonia do além compõe o musical “Sinfonia da Necrópole”, em cartaz no Cine Brasília.
Dirigido pela paulistana Juliana Rojas, a produção é bem menos sinistra do que parece. “Queria fazer um filme leve dentro do ambiente do cemitério, mas que ao mesmo tempo pudesse ser uma alegoria da cidade, e que fizesse uma reflexão sobre as questões urbanas”, conta a cineasta, sobre sua primeira experiência solo em longa-metragem.
Ela carrega para o musical seu interesse pela fantasia e pelo terror, gêneros cada vez mais frequentes em filmes brasileiros independentes nos últimos anos: de “O Som ao Redor” (2012), assinado pelo pernambucano Kleber Mendonça Filho, do inédito “Aquarius”, a “Quando Eu Era Vivo” (2014), estrelado por Sandy e Antonio Fagundes.
Com Marco Dutra, autor de “Quando Eu Era Vivo”, ela dirigiu “Trabalhar Cansa” (2011), uma tensa crônica urbana ambientada em São Paulo.
Cemitério: metáfora das grandes cidades
Desta vez, Juliana quis refletir sobre verticalização urbana a partir do ambiente do cemitério. Para isso, buscou meios lúdicos de contar a história, com canções originais e coreografias elaboradas por bailarinos profissionais.
Ainda assim, procurou dar um tom natural às performances. “Não busquei atores que fossem tradicionalmente de musical – pra mim, não era importante que eles cantassem com excelência técnica”, explica. “Queria que fosse um canto adaptado à possibilidade deles, ao registro de voz de cada um, pra trazer mais humanidade ao filme”.
Na trama, Deodato (Eduardo Gomes), um coveiro aprendiz, sofre para se adaptar ao ambiente (sobrenatural) de trabalho. Um projeto de recadastramento pretende resolver o problema da superlotação, desalojando cadáveres para dar lugar a outros mortos. Juliana vê intensas conexões com os processos desumanos e, por vezes, invasivos de reorganização dos centros urbanos brasileiros.
“A geografia do cemitério lembra a das grandes cidades, com áreas onde há uma concentração de túmulos de alto padrão e áreas mais afastadas, onde se concentram os túmulos mais simples e sem conservação. É uma situação que remete aos processos de reurbanização e verticalização pelos quais as grandes cidades têm passado – e com contradições semelhantes”, explica a realizadora.
O terror como ferramenta narrativa
Ao lado de Dutra e outros diretores, Juliana integra o coletivo Filmes do Caixote. Além de “Sinfonia”, a produtora tem outro musical em seu catálogo: “O que Se Move” (2013), drama de Caetano Gotardo sobre mães lidando com chegadas e partidas de filhos. Mas a principal verve da companhia é mesmo o terror.
Projeto com lançamento previsto para 2017, “As Boas Maneiras” envolve uma babá (Isabél Zuaa) que precisa tomar conta de uma criança “especial” – para não dizer assustadora. “Uma fábula de horror ambientada na cidade de São Paulo”, define Juliana, que aqui volta a dividir a direção com Dutra.
Quanto mais familiar, mais arrepiante. “A sensação de medo tem a ver com o desconhecido, e se ele surge dentro de um ambiente que nos parecia controlado, torna o terror mais potente”.
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“Sinfonia da Necrópole”
Em cartaz no Cine Brasília (106/107 Sul), às 15h e 19h (até quarta 25/5)