“Em Nome da Lei” chama atenção para origem do crime organizado no país
Estrelado por Mateus Solano, o filme sobre a luta de um juiz contra o tráfico e o contrabando, foi ponto de partida para debate na sua pré-estreia em Brasilia
atualizado
Compartilhar notícia
“Em Nome da Lei”, o novo filme de Sérgio Rezende (“Guerra de Canudos”, “Doida Demais”), é uma ficção com fortes vínculos com a realidade. Ambientado na fronteira do Brasil com o Paraguai, o longa — que chega ao circuito no próximo dia 21 — retrata a luta de um jovem e idealista juiz federal empenhado em desbaratar o esquema de tráfico e contrabando de mercadorias entre os dois países.
A inspiração para o roteiro veio da história verídica de Odilon de Oliveira, juiz federal que, em 24 anos de atuação, conseguiu desestruturar dezenas de organizações criminosas, condenar mais de 200 traficantes e confiscar bilhões de reais do crime organizado. Mas é também a história de uma realidade com a qual o Brasil convive penosamente.
Anualmente, o país perde R$ 115 bilhões por ano em vendas e evasão de impostos por causa do contrabando — que vai de uísque a brinquedos e inclui a comercialização ilegal de filmes. “Em 2015, foram localizados 300 sites de conteúdo pirata. Desses, 50 tiveram 2 bilhões de acessos 20 vezes o número de acessos do site da Receita Federal”, assinala Ricardo Castanheira, diretor-geral da Motion Picture Association – Latin America.
Violência, corrupção e uso de força
Castanheira foi um dos participantes do debate que antecedeu a pré-estreia de “Em Nome da Lei” em Brasília, na última quinta (14/4). Além dele, o juiz Antônio César Bochenek (presidente da Associação dos Juízes Federais, Ajufe), Edson Vismona (do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), o deputado Efraim Filho (presidente da Frente Parlamentar de \Combate ao Contrabando) e Carlos Eduardo Sobral (presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal) ajudaram a traçar um panorama
À primeira vista, o contrabando parece um crime sem violência, sem menos importância. Mas é, na verdade, uma rede de ilegalidade que começa na internação do produto em portos e fronteiras. Envolve sim violência, corrupção, uso de força
Carlos Eduardo Sobral, presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal
Sobral chama a atenção para as dificuldades da Polícia Federal em exercer sua função de patrulhar os 15.735km de fronteiras terrestres do país. “Hoje, a PF não tem condição de construir uma unidade sequer; o sistema de vigilância aérea não tripulada não funciona por falta de recursos, e tem déficit de pessoal — 400 policiais federais vão se aposentar em dois anos. O enfrentamento é muito menor do que seria o ideal em um país da envergadura do nosso”, lamenta.
Fronteiras abandonadas
“Se o poder público não ocupa esses espaços (as fronteiras), o crime o faz com extrema rapidez e facilidade”, afirma Edson Vismona. A seu ver, o longa de Sérgio Rezende bem poderia ser uma ficção, mas é uma realidade. “O filme é um grito de alerta. Mostra que estamos deixando nossas fronteiras à míngua”. Vismona considera que as altas taxas de impostos praticadas no Brasil contribuem para a contravenção, já que o cidadão compra produtos contrabandeados por serem mais baratos, sem ter noção clara das implicâncias disso.
Autor de lei que ampliou a pena por contrabando de dois para cinco anos, o deputado Efraim Morais Filho (DEM-PB) considera a importação ilegal de produtos um crime “extremamente agressivo”. “Está vinculado à mercantilização do trabalho, afeta a economia e financia o crime organizado. Na opinião do deputado, os altos impostos é um dos pilares que sustenta o contrabando. “É um equívoco aumentar impostos em vez de combater a sonegação”, afirma.
Criminosos sempre existiram e sempre existirão. Nosso dever, juízes, procuradores, Polícia Federal, é coibir, diminuir o potencial lucrativo desses criminosos, reduzir as infrações penais
Antônio César Bochenek, presidente da Ajufe
Sonho de justiça
Também presente à pré-estreia, o cineasta Sérgio Rezende conta que começou a esboçar “Em Nome da Lei” há quatro anos. Na época, chamou-lhe a atenção a história de Odilon de Oliveira, que conheceu por meio da imprensa. Também atraía o diretor a ideia de criar uma ação passada na fronteira, “um lugar distante do cinema nacional, pouco mostrada”. Não se trata, porém, de um filme biográfico, mas de uma trama de ficção livremente inspirada pelo personagem.
É uma coincidência, ele diz, que o filme seja lançado num momento em que a Justiça está no centro dos principais acontecimentos do país. “Naquela época, o sonho de justiça no Brasil começava a se esboçar, com o Mensalão e a figura do juiz Joaquim Barbosa. Hoje, o Brasil vive numa outra fronteira. Entre onde estamos e para onde vamos. Espero que o filme sirva de motivo para reflexão”.