Cannes: “Loving”, de Jeff Nichols
Apesar de um primeiro ato excelente, falta carga dramática neste filme, que, como drama, naufraga sem um conflito aonde ancorar.
atualizado
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“Loving” é uma história verídica sobre Mildred e Richard Loving, uma mulher negra e um homem branco que ousaram se casar no estado americano de Virgínia em 1958. Como isto era ilegal nos tempos tenebrosos da segregação, eles foram prontamente presos e, para continuarem casados, entraram num acordo para mudarem de estado. Foi um caso emblemático por ter levado à uma decisão da Suprema Corte Americana em 1967 que aboliu todas as leis que proibiam casamento entre pessoas de raças diferentes.
Este tipo de filme, além de ser presciente e necessário numa época em que as questões de tolerância e direitos civis continuam a dominar o noticiário, sempre será queridinho das premiações de fim de ano, especialmente o Oscar, que adora um filme sobre assuntos sociais. Jeff Nichols é um dos diretores americanos mais interessantes da atualidade, e pode já ser considerado veterano de Cannes, pois 3 dos seus 5 filmes estrearam no festival (2 em competição pela Palma de Ouro e 1 na mostra “Semana da Crítica”). Por isso, é de se esperar que ele faria uma versão diferente do clássico “filme pra ganhar Oscar.”
O problema é que desta vez, por mais que me doa dizer isto, o filme precisa de um pouco mais de água com açúcar. A decisão principal aqui foi fazer um filme sem frescuras e sem exageros. Ruth Negga, que interpreta Mildred, está excelente no papel. Já Joel Edgerton, que vive seu marido Richard, está completamente inofensivo. Parece até interpretar o personagem como se ele fosse portador de deficiências intelectuais.
“Loving” tem um primeiro ato maravilhoso, em que vivemos toda a tensão e o drama do casal que, por amor, comete um ato ilegal. Sentimos a dor da injustiça de sua prisão e a contínua ameaça dos personagens racistas que os cercam, principalmente o xerife caipira da cidade. Antes de serem obrigados a deixar sua cidade-natal, os dois fazem planos e economizam dinheiro para sua vida conjugal. Assistir estes planos ruírem dói no coração e aquece os punhos apertados de quem sente raiva do racismo.
Mas isso acaba depois de meros 40 minutos. O resto do filme consiste em assistirmos o casal constituir sua família, com seus três filhos, sem nenhum drama além da saudade de casa. Quando advogados oferecem levar o caso até a Suprema Corte, Richard nem parece tão interessado, pois vivem tranquilamente. Nichols erra ao decidir nunca ficar longe do casal, que não sofre muito além das pequenas questões que todos os outros casais tem. Assim, ficamos sem a importância do caso na sociedade geral.
Não quero dizer que aqui não tenha uma história que valha a pena, ou que seja de pouca importância. Só quero dizer que, neste contexto dramático, em que não fazemos muito além de conhecer duas pessoais reais, a ficção não é o modo mais interessante de mostrá-los. Ver dois atores incorporar pessoas de verdade é sempre menos interessante do que ver as duas pessoas de verdade. O que o cinema faz é transformar histórias comuns em histórias dramáticas. Para a história de Mildred e Richard Loving, creio que o documentário “The Loving Story”, que passou na HBO em 2011 e que forma a base deste filme, seja a melhor pedida.
Avaliação: Regular (2 estrelas)