Crítica: “Eu, Daniel Blake” reflete sobre burocracia e desemprego
Filme novo de Ken Loach, vencedor da Palma de Ouro, mostra o drama do desemprego na Irlanda contemporânea
atualizado
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Ken Loach não é um estranho no Festival de Cannes. Vencedor da Palma de Ouro em 2006 por “Ventos da Liberdade”, ele já concorreu 12 vezes ao prêmio. Já ganhou outros 10 prêmios do festival em anos diversos. Em 2016, voltou a ganhar a Palma por este “I, Daniel Blake”. Claramente, um gigante. Porém, nunca foi um diretor para visões épicas, sempre focando em histórias concentradas num pequeno grupo de personagens e determinado período histórico de sua Irlanda natal.
Em “I, Daniel Blake”, ele mostra as dificuldades financeiras de um ex-carpinteiro (Dave Johns) que está se recuperando de um ataque cardíaco enquanto trabalhava. Com 59 anos, ele é proibido pelo seus médicos de voltar ao trabalho. O problema é que a secretaria de trabalho da Irlanda o examina e decide que ele está sim, apto ao trabalho. Nessa encruzilhada, sem salário e sem benefícios sociais, Daniel tenta manter seu otimismo e seu respeito próprio perante uma burocracia kafkiana.No meio do caminho ele conhece Katie (Hayley Squires), mãe solteira que acaba de se mudar com os dois filhos pequenos para Newcastle, uma cidade em que nunca esteve. Também desempregada, este foi o único local aonde ela conseguiu moradia pelo estado. Ela também está apanhando da confusão burocrática do estado. Os dois se dão bem e Daniel ajuda Katie a montar sua nova casa, consertando paredes e executando outras tarefas que conhece bem.
“I, Daniel Blake” é um filme maduro, para pessoas adultas, que enxergam as forças do mundo moderno. Não é um filme preocupado com ideologias utópicas, mas sim com o drama de um ser humano. A trilha sonora é praticamente inexistente. Exceto por um pequeno discurso no final, o filme executa com perfeição seu distanciamento emocional, passivamente observando os personagens desta história.
Em uma cena central, Daniel vai com Katie até um banco de comida, que atende a população pobre da cidade. Lá, funcionários dividem quantidades pequenas de comida entre cidadãos que tem sua documentação aprovada pela Secretaria de Trabalho. Katie não aguenta nem terminar suas compras quando abre uma lata de molho de tomate e começa a bebê-lo no meio de todos. Sua fome era tanta que ela desaba em lágrimas. Numa cena de supermercado o segurança vê que ela passa necessidades e lhe oferece um trabalho, com uma cafetã que conhece. Katie sente repulsa, mas ainda assim guarda o telefone do segurança.
Daniel, além de nunca ter mexido num computador na vida, tenta preencher todos os requerimentos para se qualificar aos benefícios de quem procura emprego. Além de ser mandado de um departamento do governo local ao outro, como uma bola de pingue-pongue incansável, ainda monta seu currículo, pela primeira vez, e o distribui pelos bairros. Viúvo, ele passou a vida inteira trabalhando e cuidando de sua esposa, que tinha problemas mentais.
Esquecidos
Com poucos personagens centrais, Loach quer criticar a impessoalidade do governo para com o cidadão. Os escritórios são entupidos de pessoas necessitando ajuda social, pessoas como Daniel que, em sua maioria, são incapazes de lidar com os requerimentos e formulários necessários para conseguirem êxito. Em certo momento, um personagem diz que o governo torna tudo difícil de propósito, para que os cidadãos simplesmente desistam de pedir ajuda.
É um tema presente em todo o cinema mundial. Vivemos numa espécie de pós-crise de 2008, quando os maiores mercados do mundo entraram em colapso financeiro. A recuperação veio aos poucos para os governos que conseguiram dar a volta por cima, e cidadãos que passaram a vida trabalhando precisaram de ajuda pela primeira vez. Loach insiste em dar uma voz para essas pessoas que não são nem tão ricas para viverem livremente e nem tão pobres que estão morando na rua. Para estas pessoas, está mais fácil descer do que subir.
Avaliação: Bom