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Cannes: “Forushande”, de Asghar Farhadi

Ashgar Farhadi tem um dom em encher seus roteiros de intrigas e erros de comunicação, para depois ir puxando fio a fio todas as consequências terríveis da soma total dos pequenos erros de seus personagens.

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Divulgação/Festival de Cannes
Forushande, Cannes
1 de 1 Forushande, Cannes - Foto: Divulgação/Festival de Cannes

“O Apartamento”, novo filme do diretor iraniano Ashgar Farhadi começa com um edifício em colapso e seus habitantes correndo pelos seus apartamentos, coletando seus pertences enquanto há tempo de fugir com vida. Dado o susto, o prédio não cai, mas fica com a estrutura comprometida. Assim, Emad (Shahab Hosseini) e Rana (Taraneh Alidoosti), um casal de atores, precisa achar um lugar aonde morar. Eis que Babak (Babak Karimi), outro membro da trupe teatral lhes oferece um apartamento vago.

Para quem captou a metáfora inicial, em que o prédio instável é uma premonição do turbilhão emocional que ainda está por vir, o filme não se resume a isso. Uma noite, após chegar mais cedo de seu ensaio, Rana está no banho quando um estranho invade o apartamento novo e a agride enquanto nua. Emad, chegando em casa, segue uma trilha de sangue até o seu lar, aonde encontra a esposa desmaiada no boxe. Este acontecimento, ainda no primeiro ato, é o que forma o resto do filme.

Diretores independentes costumam dizer que não são raras as vezes em que seus limites orçamentários os forçam a bolar estratégias criativas em seus filmes. Só um fenômeno parecido pode explicar a robustez do cinema iraniano, aonde diretores tem de constantemente lidar com censura, poucos recursos e até a ameaça de prisão.

“O Apartamento” é um filme muito mas simples do que os dois que vieram antes, e por isso falta a ele uma urgência, um desespero existencial levado ao extremo. É uma história “menor”. Rana, após o ataque, fica uma pilha de nervos, se contradizendo de uma maneira a dar nos nervos. Diz que está tudo bem enquanto todos pedem que ela descanse. Pede que o marido abandone seu emprego para ficar do lado dela, algo impossível para a vida do casal.

Emad, por outro lado, não sabe o que fazer para confortar a esposa. Juntos decidem não ir à polícia, afim de “preservar a dignidade” de Rana, que estava nua ao ser atacada. À medida que o pobre marido, também uma vítima, tenta fazer as pazes com sua circunstância e sua impotência em resolver o trauma, ele também começa a perder a linha. Como um detetive particular, ele decide encontrar o culpado por conta própria.

A sequencia de erros, fatos e acidentes que levou ao ataque a Rana é interessante e fascinante. Porém, em vez dela trazer paz à Emad, os esclarecimentos apenas pioram a situação dele, da esposa, e ainda de outros. Aqui está a expertise de Farhadi como roteirista: encher suas histórias de intrigas e erros de comunicação, para depois ir puxando fio a fio todas as consequências terríveis da soma total dos pequenos erros de seus personagens.

Farhadi, veterano em Cannes com “O Passado” e ganhador do Oscar com “A Separação”, faz aqui o seu filme mais metalinguístico, pois além do drama doméstico, Emad e Rana estão prestes a estrear sua versão da peça “A Morte do Caixeiro-Viajante”, do americano Arthur Miller. Assim como a trupe de diretores iranianos lida constantemente com o governo, os atores tem de lidar com os mesmos burocratas neste filme. (Uma cena particularmente cômica é quando uma atriz que estaria seminua na peça interpreta sua personagem completamente vestida e os outros atores mantém o diálogo sobre sua nudez.)

Existe ainda outro nível de metalinguagem em que Willy Loman, o vendedor perdedor da peça, pode ser facilmente reconhecido entre um dos personagens de “O Apartamento”. Pois enquanto Emad apenas interpreta Willy, o verdadeiro culpado do crime é, em sua essência, um Willy. Emad é confrontado com o personagem que interpreta e tem por ele apenas desprezo. Chega a ser uma meditação sobre The Method, uma escola de interpretação onde o ator vive o seu personagem até fora de cena. Isto mostra que, mesmo que tentem, atores nunca conseguem realmente habitar a pele de outras pessoas. Farhadi, porém, consegue escrever sobre elas primorosamente.

Avaliação: Ótimo

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