Cannes: “Bacalaureat”, de Cristian Mungiu
Este é um filme sobre conversa e atuação mais do que ação, mas não devemos deixar a aparente simplicidade nos enganar. Existe aqui uma história universal sobre pais e filhos.
atualizado
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A jovem Eliza (Maria-Victoria Dragus) sempre tirou notas boas e até ganhou uma bolsa para fazer faculdade na Inglaterra, como seu pai (Rares Andrici) sempre sonhou e planejou. Um médico respeitado e honesto, ele sempre odiou a corrupção de seu país natal. Mas quando a filha é atacada a caminho de sua última prova, ele terá que navegar um mundo que sempre repudiou.
O cinema romeno está em ascendência no mundo, e este ano, seus dois diretores mais famosos, já consagrados em Cannes (um com a Palma de Ouro e outro com o prêmio Un Certain Regard), estreiam filmes na mesma mostra. “Sieranevada”, de Cristi Puiu, foi o que inaugurou as sessões de imprensa. Desta vez é Cristian Mungiu, vencedor da Palma em 2007, exibir mais uma de suas obras-primas.
A narrativa acontece na Romênia, mas podia muito bem acontecer no Brasil. No centro de tudo, o “jeitinho”, aquele jeitinho (agora sem aspas) que todos nós conhecemos e sabemos diagnosticar. É contra ele que o personagem principal passou a vida se rebelando. É por causa dele que esse pai quer mandar sua filha pra longe. Assim como o Brasil, a Romênia sofreu um período de ditadura, e agora que vive a democracia, tem certa dificuldade em se livrar da cultura do oligopólio, onde os colegas e amigos do poder são os que se dão bem na vida.
Sacrifício Paterno
Marius, o pai, quer que sua filha tenha um futuro de meritocracia, estudando fora e trabalhando lá também. E é justamente por ela que ele está preparado a usar o jeitinho. Eliza, descobrimos, não tira uma nota boa na prova que resolveria sua bolsa de estudos na Inglaterra, muito provavelmente pelo ataque sofrido horas antes. Sua única chance seria refazer a prova, fingindo que esta primeira tentativa não tivesse acontecido.
Só que não há uma maneira honesta disso acontecer. A única chance aconteceria se Marius usasse uma vida inteira de reputação honesta, juntamente com seus contatos influentes, para conseguir dar um jeitinho. Ele resolve tentar logo no início, e o filme relata assim sua peregrinação pelo sistema romeno. É claro que nada é tão fácil quanto parece.
Sua filha, Eliza, não passa o filme em modo passivo. Descobrimos logo que ela também tem suas vontades e desejos, e que talvez até não se importe em continuar morando na Romênia. Isso deixa a situação pior ainda para o pai, cujo sacrifício seria em vão caso ela não apareça para refazer a prova. Marius tem um combate em duas frentes durante o filme: conseguir que deixem ela refazer a prova e convencê-la a comparecer.
A fotografia é mundana, no estilo de realismo social, sem chamar atenção pra si mesma, acompanhando personagens e com planos de longa duração. É um filme sobre conversa e atuação mais do que ação, e por isso deixará os espectadores com menos paciência um pouco entediados. Mas não devemos deixar a aparente simplicidade nos enganar. Existe aqui uma história universal sobre pais e filhos.
Este momento que Eliza e Marius estão vivendo, da formatura do ensino médio é um símbolo de quando filhos deixam a proteção do pai e da mãe para viverem a própria vida. Os pais que assistirem “Bacalaureat” reconhecerão e temerão a metáfora central: que eles são capazes de tudo para garantir as melhores circunstâncias aos filhos, arriscando a incompreensão, a ingratidão e até os insultos. E os filhos, querendo se impor, rejeitam os conselhos dos pais.
Avaliação: Excelente (5 estrelas)