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Cães se rebelam contra a sociedade em “White God”

Drama húngaro narra histórias paralelas de uma garotinha em crise e seu cachorro abandonado nas ruas

atualizado

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Imovision/Divulgação
White God filme
1 de 1 White God filme - Foto: Imovision/Divulgação

Em 1963 Alfred Hitchcock assombrou o mundo com a história de uma cidade invadida por pássaros assassinos. Mas a ficção só estava imitando a realidade porque a escritora britânica Daphne Du Maurier, se inspirou num ataque de gaivotas a um agricultor no interior da Inglaterra para escrever o seu conto. No drama húngaro, “White God”, uma rebelião canina toma conta da capital Budapeste. A referência é o clássico de Samuel Fuller, “O Cão Branco”.

Lançado em 1982, o filme do cineasta norte-americano contava a história de um cachorro que carregava a sina de atacar só negros. Nas entrelinhas da trama do diretor Kórnel Mundruczó, o tema da minoria ganha voz só que às vessas, na trajetória de cão rejeitado por ser “mestiço”. A metáfora é forte e evidenciada de forma emblemática na cena em que um dálmata é tratado pelas ruas como se fosse a aristocracia da raça. Ou seja, outras etnias não são bem vindas.

E o drama do vira-lata Hagen tem início quando sua dona Lili (Zsófia Psotta), filha de pais separados, vai viver um tempo com o pai (Sándor Zsótér). Ele é um fiscal de controle de qualidade de um matadouro e não tolera animais. Sua implicância com o cachorro é potencializada por uma lei nacional que cobra taxas mais altas para cães mestiços e essa questão burocrática do governo azeda ainda mais a conturbada relação entre pai e filha.

Assim, abandonado nas ruas após uma discussão violenta entre os dois, Hagen vira “mendigo”, bebendo água suja e comendo carniça. Capturado e vendido para um adestrador de animais, é maltratado até virar uma máquina de matar nas rinhas de luta de cães. Ou seja, a velha máxima de Rousseau se estendendo para a natureza selvagem: “Nascemos bons, mas a sociedade nos corrompe”, ensinava o filósofo iluminista franco-suíço.

Cães sedentos de vingança em meio a apartheid velado
Vencedor da mostra paralela “Un Certain Regard” (Um Certo Olhar) do Festival de Cannes de 2014, “White God” traz à tona discussão milenar que é a opressiva e tensa relação entre poder e submissão. O assunto o tempo todo perpassa a trama na relação autoritária do pai com a filha, do maestro com seus alunos, dos homens (White God) com os cães. Também surge como poderosa denúncia aos maus tratos contra animais. Algumas passagens são chocantes.

Sem o menor pudor de fazer referências ao mestre do suspense, o diretor Kórnel Mundruczó vai mais além com sua alegoria caótica ao traçar um paralelo, mesmo que inconsciente, ao drama dos imigrantes estrangeiros que vem invadindo a Europa e à política de restrição dos governantes a esse êxodo social. O recado é simples: existe um velado apartheid no velho continente.

Uma triste realidade que explode nas telas como uma visão de pesadelo, como aquela de uma matilha sedenta de vingança correndo pelas desertas ruas da cidade ou o final redentor, mas apocalítico. São cenas que não sairão fáceis de nossas retinas. Afinal, quem é amigo de quem?

Avaliação: Bom

Veja horários e salas de “White God”.

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