GDF quer devolver bilhetagem eletrônica a empresas de ônibus apesar do escândalo descoberto em 2011
CPI da Câmara Legislativa apura irregularidades na licitação do sistema de transporte público do DF
atualizado
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Os problemas do sistema de transporte público do Distrito Federal — que motivaram a suspensão de uma licitação por decisão judicial e a criação de uma CPI na Câmara Legislativa — devem aumentar graças a uma polêmica ideia do GDF. O Executivo local quer devolver o sistema de bilhetagem eletrônica às próprias empresas que operam as linhas de ônibus. Entre elas, estão as cinco companhias investigadas tanto na esfera judiciária quanto na legislativa.
Em 21 de janeiro, o governo apresentou o Comitê Regulamentador do Sistema de Bilhetagem Automática, criado pelo governador Rodrigo Rollemberg (PSB) por meio do Decreto nº 37.067/2016. A ideia é elaborar normas para que as empresas de transporte público de Brasília assumam a operacionalização de todo o sistema dos cartões, mesmo após a mal-sucedida experiência no DF com a Fácil, implementada em 2007, com desvios estimados em R$ 14 milhões que resultaram em operações policiais em 2011.Para a Secretaria de Mobilidade (Semob), a medida serve para modernizar o atual sistema. “Em 24 capitais do Brasil, são as empresas que controlam essa operação. Não dá mais para o Estado arcar com a emissão e a venda de bilhetes, que se tornou limitada. Queremos que os usuários possam comprar a passagem em padarias, em farmácias e nos mercados. E, no futuro, chegar finalmente ao bilhete único. Isso só será possível com essa mudança”, explica o secretário da pasta, Marcos Dantas.
No entanto, para o doutor em engenharia de transportes e professor da Universidade de Brasília (UnB) Paulo César Marques da Silva, a proposta representa um grande retrocesso.
O Distrito Federal já passou por uma situação semelhante. Durante um período, um consórcio das empresas que administravam o transporte público da capital era o responsável pela distribuição da bilhetagem, e esse mesmo consórcio foi alvo de inúmeras denúncias. Hoje, uma das maiores críticas que se faz à organização do transporte do DF é o total desconhecimento do poder público dos custos operacionais das empresas. Caso essa proposta seja aprovada, o desconhecimento será ainda maior
Paulo César Marques da Silva, especialista em transporte público
Nos tempos da Fácil…
Não é a primeira vez que o controle do sistema de bilhetagem é colocado em xeque. Em 2007, durante o governo de José Roberto Arruda, estabeleceram-se as diretrizes para a implementação da tecnologia. A operacionalização ficou por conta de companhias de transporte, que criaram a empresa Fácil.
Porém, uma série de irregularidades foram identificadas na operação da empresa. A começar pela licitação que colocou a Fácil no comando da bilhetagem do DF. Em 2011, a chamada Operação Drakkar, conduzida pela Polícia Civil, indiciou Arruda, o ex-secretário de Transportes Alberto Fraga e o ex-diretor do DFTrans Paulo Munhoz. Segundo a investigação, na época da licitação, o grupo que assumiu o controle da bilhetagem foi favorecido e, além de incluir veículos ilegais nas linhas de ônibus, deixou de repassar R$ 14 milhões aos cofres públicos.
Os prejuízos da Fácil fizeram com que o governador Agnelo Queiroz (PT) retirasse das empresas de transporte o controle dos bilhetes, que ficaram a cargo do DFTrans.
Mas a atual gestão acredita que uma nova parceria com os empresários será benéfica. “O comitê terá 90 dias para avaliar o melhor modelo para a cidade. O governo ainda contará com órgãos de fiscalização e controle para garantir que haja transparência. Os péssimos exemplos do passado não devem se repetir”, avalia o secretário de mobilidade, Marcos Dantas.
Prejuízos
Mas se há riscos num eventual retorno da gestão dos cartões às empresas, uma auditoria divulgada pela Controladoria-Geral do DF em dezembro do ano passado revelou que o governo também não é um bom administrador. O órgão analisou, entre julho e outubro daquele ano, os gastos do sistema de transporte público local.
A conclusão aponta um prejuízo estimado em R$ 80 milhões aos cofres públicos no período, causado por diversas irregularidades, incluindo o uso fora das normas dos cartões de bilhetagem eletrônica.
Um dos problemas apontados é o excesso de cobranças de passagens de estudantes e portadores de necessidades especiais — pagas pelo governo. Há viagens em horário de pico em que as companhias alegaram ter mais de 70% dos passageiros com deficiência física, o que é apontado pela Controladoria como forte indício de fraude.
Outra situação irregular apontada é a de alguns cartões de vale-transporte que foram carregados com mais de 600 créditos, o que representa mais de sete meses de benefício, considerando quatro transações todos os dias, inclusive sábados, domingos e feriados. Segundo análise da Controladoria-Geral, a inserção de um volume tão grande de créditos no cartão de uma única pessoa é bastante improvável, o que leva à suspeita de simulação da venda, com a consequente ausência do repasse financeiro para essas operações.
Sob investigação
As empresas responsáveis pelos ônibus do DF são investigadas pelo Legislativo. A CPI dos Transportes, criada em junho do ano passado, avalia irregularidades na licitação de 2012, que supostamente teria beneficiado as empresas Viação Piracicabana, Viação Pioneira, Auto Viação Marechal, Expresso São José e o consórcio formado pela HP Transportes Coletivos e a Ita Empresa de Transportes.
Uma das acusações é de que o certame favoreceu as companhias que contrataram os serviços do advogado Sacha Reck, que assessorou o GDF no estabelecimento dos parâmetros para a contratação do serviço de transportes urbanos pelo governo. Atualmente, a CPI segue ouvindo testemunhas e acusados, além de analisar documentos sobre as possíveis irregularidades.
Colaborou Letícia Carvalho