“Ricardo era irretocável”, diz viúva de designer morto na L4 Sul
Fabrícia Gouveia e o marido Ricardo, que morreu ao lado da mãe, não tinham filhos e comemoravam no domingo a possível compra de uma casa
atualizado
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A vida da revisora Fabrícia de Oliveira Gouveia virou de ponta cabeça neste fim de semana. No sábado (29/4), ela e o marido, o designer gráfico(*) Ricardo Clemente Cayres, 46 anos, foram ver casas para comprar. Era um sonho antigo do casal que se conheceu no Banco Central, onde Ricardo trabalhava há anos como terceirizado. Na iminência de fechar o negócio, eles decidiram comemorar a novidade (e aproveitar a véspera do feriado do Dia do Trabalhador) em um churrasco com a família na casa de um cunhado, no condomínio Ville de Montaigne, Lago Sul. Era perto das 19h de domingo (30) quando Ricardo foi levar o pai e a mãe para casa, no Guará. O cunhado não o deixou ir e voltar sozinho: resolveu acompanhá-lo. Nenhum deles voltou à celebração.
Na avenida L4 Sul, o carro da família, um Fiesta vermelho placa JKN 5487-DF, foi atingido pelo Volkswagen Jetta, JKB 6448-DF. O impacto tirou o Fiesta da pista e o lançou contra uma árvore. A força foi tanta que o carro capotou. A traseira do veículo ficou completamente destruída: era ali, no banco de trás, devidamente presos ao cinto de segurança, que estavam Ricardo e a mãe, Cleuza Maria Cayres, 69 anos. Eles não sobreviveram. Os bombeiros levaram três horas para remover seus corpos das ferragens.
No banco do motorista estava Helberton Silva Quintão, 37 anos, cunhado de Ricardo. Ao seu lado, Oswaldo Clemente Cayres, 72, pai de Ricardo e marido de Cleuza. Ambos foram levados ao Hospital de Base do Distrito Federal, e tiveram alta médica nesta segunda.“Eu me ofereci para ir dirigindo, quando ele falou que levaria a mãe e o pai para casa, no Guará. É que o Ricardo tinha machucado o dedo no sábado e, embora não fosse de beber, tinha bebido uma cerveja para comemorar no churrasco, então me ofereci para dirigir”, contou Fabrícia. “Ele disse que estava bem, que não precisava, que já ia anoitecer e não queria eu dirigindo. Aí o Beto (Helberton) não deixou ele ir sozinho. Foi junto e assumiu o volante”, acrescentou a mulher de Ricardo.
Ela e a mulher de Helberton, porém, começaram a estranhar a demora dos maridos em regressar ao condomínio. No quintal da casa, familiares já estavam aflitos: Oswaldo, que ficou desacordado por poucos instantes, já tinha ligado para o outro filho, Renato, e informado do acidente. Sem conhecimento de todos os detalhes, porém, os parentes não quiseram alarmar as cunhadas.
De pouco adiantou, pois a mulher de Helberton recebeu uma ligação do hospital. “Ligaram dizendo ‘olha, teve um acidente, a gente não sabe ainda tudo o que aconteceu. Você precisa ficar calma, a gente só sabe que seu marido e mais um estão no hospital conscientes e tem dois presos nas ferragens'”, detalhou Fabrícia. “Se o Beto estava no hospital com outro homem, e o Ricardo não dava notícia, só podia ser ele e a mãe os presos nas ferragens”, acrescentou ela. Àquela altura, a recém felicidade da família já dava lugar ao desespero da tragédia.
Eles foram e não voltaram. Não voltaram porque, no caminho, encontraram algumas pessoas que acharam que beber, encher a cara, pegar um carro e sair fazendo um racha é a coisa mais normal do mundo.
Fabrícia de Oliveira Gouveia, viúva de Ricardo
União
A relação de Fabrícia e Ricardo sempre foi forte. O casal não podia ter filhos e era muito unido. Igualmente próximos eram Ricardo e sua mãe, Cleuza.
Fabrícia conversou com o Metrópoles enquanto aguardava para reconhecer o corpo do marido, no Instituto Médico Legal. Em seis meses, era a segunda vez que a revisora encarava um momento triste como esse.
“Eu não sei o que faço, o que vou fazer amanhã. Em novembro do ano passado, enterrei meu pai. Agora, meu marido. E essas pessoas (os responsáveis pelo acidente) vão prestar depoimento, dizer que não estavam bêbadas, que não estavam correndo e sair pela porta da frente da delegacia como se não tivessem feito nada”, disse Fabrícia, sem segurar o choro. “Falar sobre o Ricardo é uma alegria. Uma alegria porque ele era uma pessoa irretocável. E muito importante porque eu não quero que ninguém passe por isso que a gente está passando agora”, encerrou ela.
Os corpos de mãe e filho foram liberados e serão levados para Valparaíso (GO), onde serão cremados nesta terça-feira. A família e apenas pessoas mais íntimas acompanharão a cerimônia de cremação, que deve ocorrer no período da manhã.
Abaixo, imagens do acidente que matou Cleuza e Ricardo:
(*) Ao contrário do que o Metrópoles divulgou inicialmente, Ricardo não era servidor do Banco do Brasil. Designer gráfico de formação, ele trabalhava como terceirizado no Banco Central.