Polêmicas, audiências de custódia soltaram 57% dos presos em flagrante no DF em 80 dias
Vídeo postado por delegado brasiliense chamou a atenção para o novo procedimento. Juiz do TJDFT defende medida e acredita que haverá queda na criminalidade
atualizado
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A polêmica entre autoridades policiais, Ministério Público e Poder Judiciário envolvendo as audiências de custódia pode ser traduzida em números. Em um período de 80 dias, 1.334 criminosos presos em flagrante ganharam o direito de responder o processo em liberdade após serem ouvidos por juízes e promotores. Eles representam 57% do total dos detidos (2.322). O encarceramento foi o destino de 988 autores de crimes. O número corresponde a 43% dos casos convertidos em prisões preventivas.
As sessões passaram a valer no Distrito Federal em 14 de outubro do ano passado. As estatísticas fazem parte de um estudo elaborado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) e contabilizam os casos até 31 de dezembro do ano passado.O novo modelo das audiências de custódia motivaram um grande embate, que veio à tona depois do desabafo feito pelo delegado-chefe da 4ª Delegacia de Polícia (Guará), Rodrigo Larizzatti. Nas redes sociais, ele postou um vídeo que questiona a soltura de um casal de traficantes. O policial criticou a liberação dos presos, alegando que se tratavam de reincidentes e que a prisão foi realizada após um “trabalho árduo” de investigação, com provas incontestáveis.
Pequena variação
O juiz assistente da Corregedoria do TJDFT, Pedro Yung-Tay Neto, não vê motivos para críticas. Ele explica que o número médio de presos não sofreu alteração após o início das audiências de custódia. “O interessante é que esta média é muito similar á de quando não esse procedimento não existia. Podemos dizer que não houve uma variação tão grande como muitos podem pensar sobre o número de pessoas que permanecem presas após as audiências”, ressaltou.
O magistrado defende as audiências como forma de reduzir a criminalidade. Ele destaca ainda que as decisões são recorríveis, no caso de se entender que houve algum engano ou prejuízo para a sociedade.
Elas (as audiências) permitem ao juiz ter a dimensão real da situação. Será possível identificar aqueles que são criminosos contumazes, com alto grau de violência, daqueles que estão tendo contato com o crime pela primeira vez.
Pedro Yung-Tay Neto, juiz assistente
Solto duas vezes
A polêmica ganhou um novo capípulo. Logo após a publicação do vídeo, outro caso mereceu destaque nos grupos de WhatsApp que reúnem policiais. Em duas oportunidades, um homem foi preso em flagrante e encaminhado para a 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá) e, em um período de oito dias, ele ganhou a liberdade durante o desfecho das duas audiências.
De acordo com o relato de policiais, o criminoso, muito conhecido na região do Itapoã, foi preso em 2 de janeiro após participar de um roubo à mão armada ao posto de arrecadação que pertence a uma empresa de transporte. No dia seguinte, na audiência de custódia, o Ministério Público manifestou-se pela soltura do preso. A decisão foi acompanhada pelo juiz que presidia a oitiva.
Em liberdade, já no último domingo (10/1), o mesmo homem voltou a ser preso em flagrante, desta vez pelo porte de uma pistola nove milímetros – de uso restrito das Forças Armadas – com com seletor de rajada e dois carregadores, além de 15 munições intactas. No dia seguinte, o homem foi novamente solto após ser colocado perante o juiz e o promotor do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
Na ata da audiência, a Justiça explica os motivos da soltura: “Apesar da gravidade dos fatos relatados no auto de prisão em flagrante, o indiciado é tecnicamente primário, possui residência fixa no distrito da culpa; não há, portanto, indicativos concretos de que ele pretenda furtar-se à aplicação da lei penal ou que irá perturbar gravemente a instrução criminal”, diz o documento. A mesma ata fixa uma fiança de R$ 880 e determina que o autor dos crimes não mude de endereço e nem deixe a cidade sem avisar previamente a Justiça.
Independência
Por meio de nota, o MPDFT se manifestou, por meio de nota, em defesa das audiências de custódia. O MP informou que atua nas audiências por meio de promotores que possuem independência funcional para analisar cada caso apresentado e agem estritamente de acordo com disposto no Código de Processo Penal e na Constituição Federal.
“Sobre o vídeo veiculado nas redes sociais por delegado da Polícia Civil, o MPDFT esclarece que, no caso retratado, houve concessão de liberdade provisória, mas foram aplicadas medidas cautelares restritivas de liberdade diferentes da prisão. Não houve fixação de fiança em obediência à proibição expressa no artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal”, destacou a nota.
Presos provisórios
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Ricardo Lewandowski, também saiu em defesa das audiências de custódia. De acordo com ele, o procedimento pode reduzir em 50% o número de presos provisórios no país.
Nós imaginamos e já apresentamos publicamente esses cálculos. Em um ano, mantida a proporção de liberdade provisória em 50%, haveremos de diminuir pela metade os presos provisórios, que passariam de 240 mil para 120 mil.
Ricardo Lewandowski
O presidente do STF lembrou que o país tem hoje cerca de 600 mil presos no sistema carcerário nacional. “O pior de tudo é que 40% desses presos são provisórios, ou seja, equivalem a 240 mil cidadãos presos sem apresentação a um magistrado, por vezes durante meses, meio ano, mais de ano, em flagrante ofensa ao princípio constitucional da inocência ou da não culpabilidade.”
As audiências de custódia já foram adotadas em todo o país. Onde elas foram implementadas, o preso em flagrante deve ser apresentado em 24 horas ao juiz competente. Durante a audiência, o juiz decide pela manutenção da prisão, liberdade provisória ou aplicação de medidas alternativas ao cárcere, como o uso de tornozeleiras eletrônicas.
Lewandowski lembra que a economia é outro benefício da aplicação das audiências. Segundo ele, cada preso custa, em média, R$ 3 mil. “Multiplicando 120 mil por R$ 3mil e por 12, teremos uma economia de R$ 4,3 bilhões apenas deixando de prender os que não representam perigo para a sociedade.” (Com informações da Agência Brasil)