Gangues de Planaltina deflagram nova guerra em disputa por territórios
Entre janeiro e maio, oito execuções na região tiveram relação com a escalada da violência na cidade, que se tornou refém da disputa entre grupos rivais
atualizado
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As gangues voltaram a matar no Distrito Federal. Berço de grupos armados desde a década de 1990, a cidade de Planaltina registrou, apenas nos cinco primeiros meses deste ano, oito homicídios provocados por uma nova guerra entre facções. A disputa é responsável pela metade das mortes violentas registradas pela Polícia Civil apenas na área de cobertura da 31ª DP (Planaltina). O perfil das vítimas é o mesmo: jovens que entraram no crime geralmente por meio do envolvimento com o tráfico de drogas.
Os investigadores da 31ª DP mapearam os territórios ocupados pelas gangues, verificaram o nível de organização dos criminosos e descobriram as engrenagens que movimentam a máquina criminosa das quadrilhas. Todos os detalhes fazem parte de relatórios produzidos pelos policiais, ao qual o Metrópoles teve acesso.De acordo com as apurações, três gangues de Planaltina — a Pombal, a Pé de Rôdo (que age no Arapoanga) e a que domina a área Buritis IV — se juntaram em uma. A facção deu origem a um grupo criminoso que passou a se chamar Crime, Morte e Maldição (CMM). O bando faz questão de deixar sua marcas nos muros das quadras que dividem seus territórios.
A CMM é inimiga da gangue que age no bairro Jardim Roriz, que se uniu a outras fações do Arapoanga, como as quadrilhas do Triunfo, Bola 10, Morrinho e Dona América.
Essa é a primeira vez que conseguimos mapear o problema, identificar e colher provas relacionadas aos principais integrantes do grupo, aprender sobre a estrutura, a divisão de tarefas e a rede de comunicação entre os traficantes do bairro. Com esses dados, conseguimos traçar uma estratégia que pode por fim à criminalidade na área.
Jane Klebia, delegada-chefe da 31ª DP
Tráfico equipa as facções
O tráfico de drogas é o combustível que alimenta a guerra entre as gangues. Explorando os pontos de venda, os integrantes das facções encontram facilidade para comprar armas, munições e veículos. O armamento é essencial para impor respeito e executar desafetos. O comando das quadras é disputado a bala.
Em um dos acertos de contas, ocorrido em 2008, câmeras de uma agência bancária no Jardim Roriz flagraram a violência do ataque. As imagens fazem parte do relatório de investigações da 31ª DP e ajudaram a identificar integrantes de gangues da região (veja vídeo).
O vídeo mostra dois adolescentes armados surpreendendo integrantes de uma gangue rival. No episódio, um jovem morreu e outros dois ficaram feridos. As imagens ainda registraram o momento em que uma das vítimas se arrasta pelo chão na tentativa de fugir sem ser baleada. Os autores foram identificados e, depois de cumprirem medida socioeducativa, colocados em liberdade.
Ao longo das investigações, a polícia descobriu que a associação de traficantes instalada no “Beco do Pombal” é forte porque possui um excelente “ponto comercial”, conhecido em todo o DF. O bairro Buritis II recebe diariamente centenas de pessoas envolvidas no comércio ilícito de entorpecentes, desde usuários de drogas que vivem em bairros de Planaltina – inclusive na região rural – até pequenos traficantes, que buscam a droga para revender em outros locais, como cidades do Entorno, principalmente Planaltina de Goiás e Formosa (GO).
Por meio de vídeos, fotografias e depoimentos, os investigadores conseguiram comprovar que as gangues utilizam uma rede estável, estruturada, permanente e organizada para atingir seu principal objetivo: manter o fluxo do tráfico. “Identificamos que os bandos sempre pretendem possuir droga disponível em estoque, evitando desabastecimento”, aponta o relatório.
Hierarquia bem definida
Como em uma empresa, as gangues definiram postos de comando, execução e contenção, como atuam os chamados “frentes” – homens ou adolescentes armados que saem às ruas para combater os rivais. O chamado “patrão” tem a função de abastecer a boca de fumo.
A figura do chefe é quem faz contato com grandes fornecedores e cuida da logística para a droga chegar ao ponto onde será comercializada, garantindo o fluxo principal do tráfico na região. O patrão é quem dá as ordens, cuida da contabilidade geral, possui o maior poder financeiro e obtém o lucro mais fácil. O líder dificilmente lida com usuários ou mantém contato com a droga.
Os chamados “gerentes” coordenam as vendas, dão ordens aos funcionários e cuidam da proteção da área dominada. Eles atuam diretamente na divisão da droga dentro do grupo, realizam o “acerto de contas” no caso de devedores ou daqueles que desobedecem às leis. Também é de responsabilidade dos gerentes aliciar os adolescentes que compõem as gangues. Os gerentes raramente atendem aos usuários; como de costume, eles fecham o negócio, definindo valores e quantidade, pegam o dinheiro e ordenam aos funcionários a entrega da droga.
Os funcionários realizam atendimento direto aos usuários, cumprindo as ordens dos gerentes. São eles que retiram a droga dos esconderijos, entregam aos usuários, fazem a “correria” – termo usado para definir a negociação – a fim de adquirir mais droga, em caso de urgência. Além disso, atuam na linha de frente, armados, no caso de necessidade de proteção ou de ataque aos rivais.