Conspirações, disputas políticas e sucateamento do sistema minam a segurança no DF
Maior fuga de presos da história da Papuda revela a tensão na qual se encontram as forças policiais que atuam na capital da República. Superlotação, déficit de pessoal, de equipamentos e briga por poder colocam em risco a população
atualizado
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A maior fuga já registrada na história da Papuda foi o estopim de uma bomba que estava prestes a explodir e revelar o colapso na segurança pública do Distrito Federal. Brigas internas e entre as corporações, superlotação e falta de estrutura das forças policiais são alguns dos fatores que transformaram o território brasiliense em um campo minado. Sofrem os soldados combatentes, mas o prejuízo maior é da população, cada vez mais exposta à violência.
O Metrópoles aponta aqui os principais problemas que, a curto e médio prazos, têm potencial para destruir um dos mais respeitados sistemas de segurança pública do Brasil que está perto de um colapso.Superlotação dos presídios
Um estudo da Secretaria de Justiça e Cidadania do DF mostra que, em 2020, a população carcerária na capital será de 24.813 presos. Hoje, os internos somam 14.656, número bem superior às 7.100 vagas disponíveis.
A cada ano, entre 1 mil e 1,2 mil pessoas ingressam nas cadeias brasilienses. Segundo o relatório oficial, nem as oito unidades que começaram a ser construídas no ano passado – cada uma como 400 vagas – vão resolver o problema da superlotação.
Déficit de pessoal e de estrutura
O sucateamento do sistema prisional não envolve apenas estrutura física. Atualmente, o DF tem 1.297 agentes penitenciários para cuidar de 14.656 internos, uma média de um agente para cada 11,3 presidiários. O problema foi alvo de nota publicada no site do Sindicato dos Agentes de Atividades Penitenciárias do Distrito Federal na tarde desta segunda (22).
Porém, a proporção recomendada pelo Departamento Penitenciário Nacional é de um profissional para cada cinco presos. Até 2020 seriam necessários, pelo menos, cinco mil agentes. Ou seja, mais de 3,6 mil cargos deveriam ser preenchidos nos próximos quatro anos.
Na Penitenciária do Distrito Federal I (PDF I), ala mais perigosa da Papuda, são cerca de 200 agentes para cuidar de 3,4 mil detentos, em uma proporção de um profissional para cada 17 presidiários, o que, segundo o diretor da instituição, Mauro Cezar Lima, compromete a segurança do local.
Essa fuga recorde é uma tragédia anunciada há pelo menos 10 anos e mostra o completo sucateamento do sistema.
Mauro Cezar Lima, diretor de PDF I
O chefe de PDF I denuncia que a unidade não tem telefone fixo há um ano. Ele conta ainda que tiveram de pedir ao Departamento de Estrada de Rodagem (DER) placas metálicas de sinalização já descartadas para reforçar as lajes e evitar fugas.
Segundo o diagnóstico do complexo penitenciário do DF, o número reduzido de agentes contamina todo o sistema, coloca em risco a segurança de todos e dificulta a implementação de medidas ressocializadoras, como funcionamento de oficinas, escolas, hortas, trabalhos externos.
Sucateamento também no presídio feminino
Os problemas seguem nos presídios femininos. Na Colmeia, maior penitenciária para mulheres, trabalham 149 servidores para atender a 692 detentas, embora o número de vagas seja de 430.
Apesar da proporção ser melhor do que nas prisões masculinas, o relatório indica uma degradação nas condições. Diariamente, uma média de sete escoltas externas são canceladas por falta de servidores do sexo feminino.
Nas palavras da diretora do presídio, Deuselita Martins, a situação prioriza apenas a segurança, com declínio na parte de ressocialização que no passado chegou a ser destaque da instituição.
Disputa pelos agentes de custódia
Há uma disputa feroz em torno da destinação dos 534 agentes policiais de custódia. Até 2015, eles estavam distribuídos pela estrutura da própria Polícia Civil, o órgão ao qual pertencem originariamente. Atuavam em funções como as de vigilância de carceragem, escolta de presos, condução para as audiências de custódia e a escolta hospitalar dos detentos.
Mas, a partir de um movimento político do governo, que acabou respaldado pelo Ministério Público e pela própria Justiça, esses agentes de custódia foram obrigados a retornar para o sistema prisional, sob o comando da Secretaria de Justiça. A justificativa para a volta desses servidores é que existe um déficit tão grande de pessoal que manter a situação como está hoje inviabilizaria o sistema prisional.
Essa decisão, no entanto, desagradou não só os próprios agentes policiais de custódia, como também os agentes de atividade penitenciária – carreira criada recentemente para atuar exclusivamente dentro dos presídios. Esses profissionais temem que os cargos de chefia fiquem concentrados entre os servidores da Polícia Civil.
Essa divergência contaminou as direções tanto do sistema penitenciário, como da própria Polícia Civil, segundo a qual a ida dos agentes de custódia irá colapsar as atividades policiais civis já carentes de pessoal.
O clima de conspiração chegou a tal ponto que no meio policial é grande a desconfiança de que a fuga na madrugada deste domingo na Papuda tenha sido facilitada por servidores.
Em um áudio enviado a grupos de policiais no WhatsApp, o diretor de PDF 1, Mauro Cezar Lima, fez um desabafo que demonstra o tensionamento dentro da própria corporação. Em meio a operação de recaptura dos fugitivos da Papuda, ele critica a ausência de colegas da Polícia Civil.
Ouça o desabafo de Mauro Cezar Lima:
Policial rebate acusação de delegado e diz que Departamento de Operações Especiais (DOE) e Departamento de Operações Aérea (DOA) agiram quando foram acionadas.
Racha na Polícia Civil
Contribui também para a instabilidade do sistema uma guerra travada entre dirigentes do Sinpol ( sindicato que representa os agentes da Polícia Civil) com o diretor da corporação, Éric Seba. O motivo seria a disputa por espaço político. O presidente do sindicato, Rodrigo Franco, acusa Seba de preterir os atuais representantes sindicais motivado por interesses eleitorais dentro da entidade.
Em uma ácida nota divulgada no fim de semana, Franco atacou frontalmente Seba: “É clara a resistência em nos receber, mais difícil ainda em atender nossos pleitos, que são os da categoria. Já encaminhamos, pelo menos, 30 ofícios e praticamente nenhum foi atendido ou, pior, respondido”.
Seba reagiu à provocação também por meio de nota. “Registro que, a despeito do imenso apreço que tenho pela referida entidade sindical, bem como da absoluta consciência da sua importância, não há definitivamente nas ações da Direção Geral da Polícia Civil quaisquer direcionamentos neste sentido. A palavra união incomoda àqueles que querem se impor pelo autoritarismo”.
Empurra-empurra institucional
Além das disputas internas, a fuga dos detentos também acirrou uma crise institucional no governo do DF. Ao comentar o episódio, o secretário de Justiça, João Carlos Souto, disse que a ausência da Polícia Militar na guarita externa da Papuda contribuiu para facilitar a saída dos presos. “Se a unidade tivesse ocupada e funcionando seria um dificultador a mais para os detentos. A área externa não é de responsabilidade da secretaria”, disparou Souto.
A Polícia Militar, por sua vez, não engoliu o sapo. Disse que foi acionada tardiamente pela Secretaria de Justiça e que não poderia se pronunciar como se deu a fuga dentro do presídio, “pois é de responsabilidade da Sejus a guarda dos presos no interior da Papuda”.
Diante da troca de farpas, o governador Rodrigo Rollemberg anunciou na manhã desta segunda-feira (22/2) que vai abrir uma investigação sobre a fuga. Ele disse não acreditar que a culpa seja da Polícia Militar. “Antes de apontar o dedo, temos de apurar para descobrir quem foram os culpados. Os responsáveis serão punidos adequadamente”, decretou. (Colaborou Mirelle Pinheiro)