Pontos usados por travestis eram protegidos por “soldados” armados
Grau de organização e divisão de tarefas no esquema surpreendeu a Polícia Civil. Dez pessoas foram presas nesta terça-feira (26/9)
atualizado
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O esquema envolvendo um grupo criminoso que atuava no tráfico interestadual de travestis para exploração sexual, em Taguatinga, surpreendeu a Polícia Civil do DF. Segundo as investigações, eles agiam como uma organização, com atividades bem definidas. De agenciadores a cafetinas, mobilizavam ainda “soldados” e “olheiros” armados com revólveres e facões, que vigiavam os pontos de prostituição para que outras garotas de programa não disputassem a clientela. Para turbinar as travestis, existia até uma “bombadeira” que injetava silicone industrial nelas para torná-las mais atraentes.
O grupo foi desarticulado nesta terça-feira (26/9), na Operação Império, coordenada pela Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin). As investigações começaram em janeiro deste ano, após algumas travestis procurarem a polícia para denunciar o esquema.
Dos 11 mandados de prisão preventiva, dez foram cumpridos nesta manhã. Entre eles, estão cinco cafetinas, duas travestis que atuavam como soldados, o marido de uma delas e duas pessoas de uma organização criminosa rival que disputava o território. A operação ocorreu em cinco repúblicas em Taguatinga e no Riacho Fundo. Em cada uma delas moravam até 15 travestis. Todas que estavam nos locais no momento das buscas foram levadas coercitivamente à delegacia.“A relação que essas cafetinas tinham com as travestis era de ‘mãe’ e ‘filha’. As repúblicas eram divididas entre as lideranças e também tinham soldados e olheiras que faziam rondas no território com armas de fogo e facões, no intuito de ameaçar pessoas estranhas que queriam se prostituir no ponto”, disse a delegada-adjunta Elisabete de Morais.
De acordo com a delegada, muitas das vitimas tinham uma relação de dependência com as cafetinas e não tinham a percepção de que elas, na verdade, eram as algozes. “No entendimento de muitas delas, eram as cafetinas que davam a oportunidade de ter uma casa, ganhar dinheiro. Elas criavam uma relação de afeto e a travesti acreditava que formavam uma família. Não se sentiam vítimas, já que não viviam em situação sub-humana”, explicou.
Segundo as investigações, elas ficavam alojadas em repúblicas. As cafetinas cobravam estadia, alimentação e as vítimas acabavam ficando reféns das dívidas, que se tornavam impagáveis. A polícia também apura procedimentos de estética que foram feitos de forma clandestina nas garotas de programa pela “bombadeira”. Ela aplicava silicone industrial no seios e nas nádegas das travestis para deixá-las mais sensuais. Os procedimentos custavam até R$ 5 mil.
De acordo com as investigações, o grupo praticava crimes graves na região de Taguatinga, como extorsão, homicídio, roubo, ameaça, lesão corporal e uso ilegal da medicina, tráfico de drogas e de pessoas, rufianismo, redução à condição análoga à de escravo e favorecimento da prostituição.
Ex-policial
Durante as escutas, a polícia identificou que um ex-PM expulso da corporação há muitos anos estaria envolvido no esquema. O nome, entretanto, não foi divulgado pela PCDF. Ele seria receptador dos produtos que as travestis roubavam dos clientes, como celulares e relógios de valor.
As investigações apontaram que elas roubavam celulares e dinheiro dos clientes e de outras pessoas que frequentavam a região e repassavam para o ex-policial para que ele pudesse revender. “Não sabemos se havia agressão contra os clientes porque eles não registravam ocorrências. Nas escutas, conseguimos identificar que elas praticavam esses crimes, mas não sabemos a forma como isso ocorria”, destacou a delegada.
Vídeo da operação feito pela PCDF:
Caso Ágatha
A investigação sobre a morte brutal de uma travesti levou a Polícia Civil a um grande esquema de prostituição que ocorre nas ruas, motéis e casas do Setor de Indústrias de Taguatinga Sul. O caso foi revelado com exclusividade pelo Metrópoles.
Esfaqueada dezenas de vezes na tarde de 26 de janeiro deste ano, Ágatha Lios, 23 anos, perdeu a vida tentando escapar da brutalidade de seus algozes. O crime ocorreu dentro de uma central de distribuição dos Correios, próximo ao local onde ela costumava fazer ponto.
Registrada como Wilson Julio Suzuki Júnior, Ágatha foi executada a golpes de facão. Filmado pelas câmeras de segurança, o assassinato, segundo testemunhas, foi motivado por inveja, vingança e disputa por ponto de prostituição.
O assassinato investigado pela Decrin acabou revelando a briga por pontos de prostituição que existe nas ruas do Setor de Indústrias de Taguatinga Sul. As vias são comandadas por cafetões que cobram uma espécie de pedágio de quem quer se prostituir no local. Por dia, cada travesti desembolsa entre R$ 50 e R$ 100 para ocupar um ponto. Caso se recuse, pode sofrer retaliações de todo o tipo, desde assaltos, passando por espancamentos, até assassinatos.