Suposto emissário da propina na CLDF tem empresas com atuação curiosa
Secretário executivo da Terceira Secretaria, Alexandre Braga Cerqueira já foi dono de lava jato, tem uma lotérica no Jardim Botânico e uma organização social voltada para a educação, cujo endereço é o de uma igreja em Planaltina. Convocado para depor ao MPDFT na segunda (22/8), o servidor deve comparecer ao órgão nesta terça (23)
atualizado
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Apontado como homem-bomba que detém um arsenal capaz de ampliar a crise política na Câmara Legislativa, o secretário executivo da Terceira Secretaria da Casa, Alexandre Braga Cerqueira, divide o seu tempo entre as tarefas de servidor e uma curiosa atuação empresarial. O suposto emissário da propina na crise dos grampos já foi dono de um lava jato e hoje é sócio de uma lotérica e de uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), chamada Associação Escola da Família (AEF). Mas no endereço de registro, em Planaltina, funciona uma igreja evangélica e não há sinal algum da entidade.
Os moradores da região tampouco sabem que naquele endereço deveria haver uma organização voltada para o ensino — objetivo que consta no cadastro da AEF. A igreja no local chama-se Casa de Bênção, grafada assim, com apenas uma letra diferente da célebre Casa da Bênção, que ganhou projeção no escândalo da Caixa de Pandora. A Casa da Bênção era ligada ao ex-distrital Junior Brunelli (ex-PSC), protagonista de um vídeo no qual comanda uma reza para agradecer pelo recebimento de recursos ilícitos. O episódio, divulgado em 2009, ficou conhecido como “oração da propina”.
Doação generosa para a campanha do chefe
Cerqueira tem ligação com outro parlamentar envolvido na Caixa de Pandora. Antes de ser nomeado secretário executivo da Terceira Secretaria da CLDF, ele trabalhou por oito anos no gabinete de Aylton Gomes (PR), que não disputou as últimas eleições por ter sido declarado inelegível com a condenação no âmbito do Mensalão do DEM.
No tempo em que trabalhou para Aylton, Cerqueira foi generoso com o chefe e fez duas doações de campanha ao então distrital. Na primeira, em 3 de agosto de 2010, foram R$ 10 mil. Já em 5 de agosto de 2014, o valor foi de R$ 6 mil.
Mas nem sempre a vida profissional de Cerqueira lhe permitiu fazer essas extravagâncias. O servidor, que está na Câmara Legislativa há 20 anos como comissionado, nunca passou em um concurso público. Ele começou a trabalhar na Casa para o então deputado Peniel Pacheco (PDT), empurrando carrinhos na gráfica. Caiu nas graças de alguns distritais, passou a atuar em funções burocráticas e foi galgando degraus na estrutura hierárquica da CLDF.
Após trabalhar para Pacheco e para Aylton Gomes, aproximou-se de Bispo Renato Andrade (PR). E foi o parlamentar evangélico que alçou Cerqueira ao posto de secretário executivo. Hoje, o ex-empurrador de carrinhos é responsável por contratos e pagamentos da Casa, além de seus negócios fora da CLDF, como a Oscip que mantém.
Oscip fechada ou aberta?
Questionado pelo Metrópoles sobre a Associação Escola da Família, Cerqueira disse, num primeiro momento, que a entidade estava fechada. Confrontado com o fato de a Oscip constar como ativa no cadastro da Receita Federal, o servidor comissionado atribuiu a culpa ao suposto sócio, um engenheiro civil chamado Douglas Melo. “Vou ligar e perguntar por que meu nome não foi tirado”, disse.
Ao ser contatado pela reportagem, Douglas Melo confirmou que atuou na entidade como diretor, embora o nome dele não conste no quadro societário da AEF. Ainda segundo Melo, o endereço oficial de registro — o da igreja em Planaltina — nunca foi efetivamente o logradouro da Oscip, que teria funcionado em outra instituição religiosa, no Cruzeiro.
Tanto Douglas Melo quanto Alexandre Braga Cerqueira contaram, sem precisar a data, que a entidade chegou a firmar um acordo com a Secretaria da Educação “antes de 2008”, mas não recebeu recursos públicos. “A Associação Escola da Família foi só uma pretensão que não deu certo”, disse Melo. Essa “pretensão”, acrescenta o engenheiro civil, “era ser como o Centro de Integração Empresa Escola (CIEE)” — entidade que faz a ponte entre o setor produtivo e a contratação de estagiários e aprendizes.
As Oscip são regidas pela Lei n° 9.790/99, cuja finalidade é facilitar parcerias e convênios com todos os níveis de governo e órgãos públicos. Na prática, recebem dinheiro público para prestar serviços com finalidade social. E, por manterem esse vínculo com gestores que têm em mãos as chaves dos cofres públicos, frequentemente são protagonistas de irregularidades em todas as regiões do país.
Outros negócios: lotérica e igreja
A Oscip de Cerqueira pode não ter vingado, mas o mesmo não se pode dizer de outro negócio do secretário executivo da Terceira Secretaria da Câmara Legislativa. Ele e a mulher são os proprietários de uma casa lotérica no Jardim Botânico, segundo dados da Receita Federal.
Cerqueira também já foi dono de uma instituição religiosa, a Igreja Batista Vida, fechada em maio deste ano; e de um lava jato que operou até 2013. Entre os bens declarados, constam uma caminhonete Toyota Hilux 2015, comprada recentemente, um Chevrolet Cobalt e um Fusca 1978.
Pessoas próximas a Cerqueira contam que ele está sempre muito bem-vestido, com roupas alinhadas e cabelos cortados, usa perfumes importados, ternos e gravatas de grifes renomadas. Morador de um condomínio em Sobradinho, ele também ostenta uma aliança de ouro cravejada com brilhantes e uma abotoadura de ouro no terno. Por isso, recebeu o apelido de “Alexandre Dudalina”, devido à marca preferida de roupas.
Intimação do MPDFT
O servidor elegante que era conhecido apenas nos círculos da Câmara Legislativa ganhou projeção no noticiário político do DF desde que o Metrópoles revelou, no último sábado (20), que ele seria o responsável por pedir propina em nome de distritais. E, mesmo intimado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) a prestar depoimento na tarde de segunda-feira (22), Alexandre Braga Cerqueira trabalhou normalmente. Como de costume, chegou no horário e saiu mais tarde do que manda o expediente da Casa.
Encontrou-se com os repórteres do Metrópoles nos corredores da Câmara por volta das 19h. Ele falou rapidamente com a reportagem e disse que aguardava a instrução dos advogados para se pronunciar sobre o caso em que é acusado de irregularidades.
Tenho a prerrogativa da presunção da inocência. Tenho provas de que não participei de nada ilegal. Durmo com a consciência tranquila
Alexandre Braga Cerqueira
De acordo com o advogado de Cerqueira, Marcelo Moura, a audiência foi adiada para esta terça-feira (23), a pedido da defesa. A ideia é que a oitiva seja realizada após eles terem acesso aos autos do processo — o que deve ocorrer na terça (23), de manhã.
No fim de semana passado, Alexandre Cerqueira procurou o escritório dos advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Veloso. Os sócios são criminalistas e defendem alguns dos principais réus da Caixa de Pandora, entre eles o ex-governador José Roberto Arruda e os ex-distritais Aylton Gomes e Rogério Ulysses (ex-PSB). Ticiano, no entanto, afirmou ao Metrópoles que não fala sobre casos em que não está constituído.
O esquema
O nome de Cerqueira foi ventilado após o empresário Afonso Assad, presidente da Associação Brasiliense de Construtores, prestar depoimento ao MPDFT há cerca de um mês. Na ocasião, ele afirmou que um emissário da Câmara Legislativa o procurou para cobrar “ajuda”. Testemunhas do caso ouvidas pela reportagem confirmaram que se trata de Cerqueira.
Além da propina, os desvios seriam usados para o pagamento de dívidas de campanha. Quem garante é o defensor público André de Moura. Ele acompanhou seis dos oito depoimentos das testemunhas que relataram a promotores a denúncia gravada pela deputada Liliane Roriz (PTB) em escutas clandestinas. Moura afirma ainda que o esquema funcionaria exatamente nos moldes como pode se inferir dos áudios divulgados desde quarta-feira (17).
Em um desses áudios, o ex-secretário-geral da CLDF Valério Neves afirma que Renato Andrade e Júlio César (PRB), líder do governo na Casa, teriam tentado fazer uma negociação com Afonso Assad. De acordo com o que Neves diz em um dos áudios, o empresário poderia intermediar contratos com a Secretaria de Educação. Mas Assad não teria levado a cabo o “compromisso”. “O Afonso disse que não poderia garantir nada”, diz Valério Neves em um dos trechos.
Segundo Moura, a história contada por Valério Neves é confirmada no depoimento de Assad. Os dois parlamentares, integrantes da bancada evangélica na Câmara Legislativa, teriam procurado o empresário para um almoço. O encontro ocorreu em dezembro de 2015, em uma churrascaria, e, na ocasião, teriam convidado Assad para entrar no esquema. “Queriam que o Afonso desse uma contribuição para eles pagarem dívidas de campanha”, garante o defensor.
Ainda conforme o relato de Assad ao MPDFT e ao Ministério Público de Contas do DF (MPC-DF), os distritais destinariam R$ 15 milhões para a Educação e outros R$ 15 milhões para a Saúde. “Eles não falaram como seria feita a divisão (no caso de propina), mas o Afonso disse que não pagaria, pois não trabalha com isso, prefere dormir de cabeça tranquila”, completa André de Moura.
A associação de Afonso representa pelo menos 30 empresas que fazem reparos em escolas e hospitais, como a troca de lâmpadas e outros detalhes. Com a negativa de Assad, os distritais teriam decidido destinar quase a totalidade das emendas (R$ 30 milhões) à Saúde. Apenas R$ 1 milhão ficou para a Educação. “Como esse valor foi para as obras da associação, um emissário procurou o Afonso para cobrar (a propina), mas ele negou mais uma vez, alegando que trabalha de forma séria”, disse o representante da Defensoria Pública do DF.