Organizações sociais na saúde pública do DF dividem especialistas
Experts divergem quanto à tentativa de o GDF transferir parte da gestão para as OSs. Maior problema apontado é se o governo teria condições de fiscalizar a atuação dessas entidades
atualizado
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Enquanto servidores, órgãos de controle e deputados distritais criticam a insistência do GDF em terceirizar parte da gestão da saúde local, especialistas divergem quanto à medida. O Metrópoles ouviu cinco experts em administração pública e saúde. Embora eles se dividam entre apoiar e condenar a iniciativa, todos têm reservas quanto à eficácia da ação. Na avaliação deles, um ponto em comum é o questionamento em relação à capacidade do governo de fiscalizar a atuação das organizações sociais (OSs), entidades que assumiriam serviços hoje sob responsabilidade estatal.
Especialista em saúde pública e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB), Roberto Bittencourt é contrário à presença das OSs. Para ele, o GDF quer usar uma pequena fração da rede pública como uma espécie de laboratório que, em última instância, teria fins eleitoreiros.“O governador Rodrigo Rollemberg quer deixar um posto de saúde qualquer e as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) lindos, gastando um dinheiro que não temos. O problema é que serão meras vitrines. Serão contratados profissionais de saúde por meio de uma legislação instável, porque não seriam servidores públicos, e o governador fará publicidade em cima dessa vitrine, enquanto o restante do sistema continuará em situação precária”, avalia. Bittencourt acredita que a entrada das OSs no sistema seria uma ação paliativa.
É uma fuga, não uma solução. Uma gota no oceano. Não resolve o problema crônico da saúde do Distrito Federal. É preciso colocar em funcionamento o que temos hoje. Há uma capacidade pública boa, que não funciona bem.
Roberto Bittencourt
Algumas das sugestões apontadas por Bittencourt são abrir centros de saúde 24 horas por dia; alocar mais recursos na saúde primária; investir na qualificação e nas condições de trabalho dos servidores, com ampliação do quadro funcional.
Capacidade gerencial do GDF
O consultor Eugênio Vilaça, especialista em saúde primária, também é cauteloso quanto à implantação das organizações sociais. Ele acredita que o sucesso ou o fracasso de uma administração compartilhada depende da capacidade gerencial do próprio GDF.
Em vários lugares, existem essas experiências, que podem ser positivas ou negativas. A delegação da administração para as OSs pode ser virtuosa ou não. Para que funcione, é necessário um Estado forte. Pode parecer uma contradição, mas o Estado precisa ter condições de fazer contratos rigorosos, nos quais seja possível colher bons resultados. Sem isso, não será possível contratar e monitorar esses contratos, e pode ocorrer desvio de funções.
Eugênio Vilaça
Vilaça explica que há, no Brasil, boas experiências com organizações sociais, como em regiões de São Paulo, onde alguns dos hospitais do município administrados por essas entidades funcionam melhor do que os geridos pela secretaria estadual.
João Paulo Peixoto, especialista em ciência política e gestão pública, também destaca alguns pontos positivos. Segundo o professor da Universidade de Brasília (UnB), “o GDF não tem competência para administrar a saúde pública, por isso, descentralizar a gestão pode ser positivo”. “Na medida em que as organizações sociais têm mais liberdade e flexibilidade para atuar com menor burocracia, o serviço pode melhorar”, acredita.
Corrupção
Peixoto afirma ainda que os casos de corrupção envolvendo OSs pelo país não podem ser impeditivo para que o sistema seja colocado em prática. “É só querer fiscalizar. Existem vários mecanismos para isso”, aponta o especialista. No entanto, ele faz uma ressalva: “Há um componente ideológico aí. Tem gente que acha que o Estado tem que ter o controle de tudo. Eu acredito que o governo tem que se concentrar apenas em fiscalizar, regulamentar e descentralizar, para que o sistema funcione.”
O problema de fiscalizar a atuação das OSs passa pela própria carência administrativa do GDF, aponta o coordenador do curso de gestão pública do Iesb, Ale Fall Sow.
Hoje, da forma como funciona o gerenciamento público, está difícil. Tem que se avaliar se o planejamento é efetivo, porque, atualmente, primeiro se executa e, depois, se for o caso, são feitos os aditivos. O governo precisa se basear nos pilares da gestão, que são: previsão de futuro, planejamento em si, organização, gerenciamento de pessoas e controle
Ale Fall Sow, especialista em gestão pública
Para Sow, a proposta do governo de, implantar OSs é boa, devido às dificuldades que o Estado enfrenta para administrar áreas críticas — como a própria Saúde. Ele acredita que a gestão descentralizada pode até mesmo ajudar a reduzir os casos de desvio de dinheiro público. “Da forma como a área está sendo gerida, é difícil. A entrada de OSs pode ajudar a evitar a corrupção.”
Cuidados
A questão dos recursos públicos que seriam repassados às OSs é um ponto-chave na iniciativa, completa o professor de finanças públicas Paulo Roberto Paiva, da Faciplac. Ele diz que a equipe da Secretaria de Planejamento e Orçamento do GDF terá que redobrar os cuidados ao fazer os repasses de verba, caso o modelo de OSs venha a ser implantado.
A Secretaria de Planejamento terá que ver se é viável a contratação das OSs. Existe toda uma legislação para que não se ultrapassem as leis de responsabilidade fiscal. O GDF tem recursos próprios e ainda recebe verba do Fundo Constitucional. É preciso avaliar todos esses fatores para calcular os custos.
Paulo Roberto Paiva
O professor diz ainda que acredita na melhoria do sistema, inclusive dos prontos-socorros, com a entrada das organizações sociais. Ele cita a Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, que é uma parceira privada com o governo federal.
A polêmica sobre as OSs ganhou um novo capítulo, no fim de semana, com a divulgação de gravações que revelam a existência de um suposto esquema de propina na área de saúde.