Liliane Roriz grava Celina Leão e MP investiga Mesa Diretora da Câmara
Gravações feitas pela deputada Liliane Roriz (PTB), que na manhã desta quarta-feira (17/8) renunciou ao cargo de vice-presidente da Casa, envolvem a presidente Celina Leão (PPS) e outros quatro deputados
atualizado
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Horas depois de a distrital Liliane Roriz renunciar à vice-presidência da Câmara Legislativa alegando uma decisão de “foro íntimo”, veio à tona o verdadeiro motivo da desistência do cargo. Ela gravou colegas em conversas suspeitas e entregou os áudios ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Entre os alvos de sua denúncia está a atual presidente da Casa, Celina Leão (PPS). O ex-secretário geral da Câmara Valério Neves também aparece nas gravações.
Segundo Liliane Roriz contou às autoridades, haveria um suposto esquema de desvio de recursos instalado na saúde envolvendo integrantes do Legislativo local. Os áudios que embasam a denúncia de Liliane Roriz foram obtidos pelo jornal O Globo. A partir da iniciativa da distrital, que até esta manhã era a número 2 da Câmara, o Ministério Público abriu no último dia 12 uma investigação para apurar os fatos.
Na ocasião, Liliane teria questionado a presidente da Câmara sobre a mudança na votação. Segundo a reportagem de O Globo, ela ligou um gravador antes de começar a conversa. No áudio, é possível ouvir Celina falando que o “projeto” seria para um “cara” que ajudaria os deputados. A presidente da Casa disse ainda que Liliane não ficaria de fora: “Você (Liliane) tá no projeto, entendeu? Você tá no projeto. Já mandei o Valério falar com você.”
Confira a gravação:
Leia a transcrição do diálogo:
Celina Leão: Deixa eu te contar o que que vai acontecer: hoje,
nós vamos falar com o secretário de Saúde. A gente colocou o recurso pra ele
agilizar o negócio do recurso. Mas você tá no projeto, entendeu? Você não tá fora
do projeto não, você tá no projeto. Já mandei o Valério falar com você.
Liliane: Eu não entendi…
(…)
Celina: Colocaram as emendas e queriam que eu e você assinássemos.
Eu falei: “Eu não vou assinar isso aqui, pera aí”. Entendeu? Aí eu chamei eles
e falei: “O que que tá acontecendo?”. Aí foi que eles colocaram (inaudível): “Nós estamos
tentando um projeto aqui, o cara vai ajudar a gente…” Aí eu falei: “Ué, mas se vai
ajudar tem que ajudar todo mundo. Eu e Liliane assinarmos isso aqui pra vocês…
Entendeu? Foi só isso.
“Gravidade”
Ao Globo, o promotor Jairo Bisol, titular da Promotoria da Saúde (ProSus), confirmou a investigação e os indícios de irregularidades. “Em face da gravidade dos fatos e das autoridades envolvidas, foi decretado sigilo, no âmbito da improbidade administrativa, que é o que apuramos aqui. No curso dessas investigações, vieram ao lume algumas condutas que potencialmente caracterizariam ilícitos penais, de modo que encaminhamos esses documentos para a área criminal competente”, disse Bisol.
Outros parlamentares
As denúncias feitas por Liliane atingem outros distritais, como o bispo Renato Andrade (PR) e Júlio César (PRB), líder do governo na Casa. Segundo é possível ouvir nas gravações, os dois teriam tentado fazer uma negociação com Afonso Assad, presidente da Associação Brasiliense de Construtores. De acordo com o que Valério Neves diz em um dos áudios, o empresário poderia intermediar contratos com a Secretaria de Educação. Mas Assad não teria levado a cabo o “compromisso”. “O Afonso disse que não poderia garantir nada”, diz Valério Neves em um dos trechos.
Com a negativa do empresário de participar do tal “compromisso”, segundo explica Valério nos áudios, o deputado Cristiano Araújo (PSD) teria conseguido o “negócio” das UTIs. Ao dizer o quanto os “hospitais iam retornar”, Valério sussurra que seria “em torno de 7%”, revelou O Globo. E diz ainda que todos os integrantes da Mesa Diretora tinham conhecimento do acordo. Celina, por sua vez, diz que se fosse para eles receberem algum tipo de ajuda, teria de ser para todos. Integram a Mesa Diretora Celina, Raimundo Ribeiro (PPS), Júlio César e Bispo Renato.
Leia a transcrição do áudio em que Liliane conversa com Valério Neves Campos, que era secretário-geral e ordenador das despesas da Câmara na época, antes de ser preso na Operação Lava Jato ao lado do ex-senador Gim Argello (PTB-DF)
Liliane: Valério?
Valério: Diga-me.
Liliane: Me explica aquela história daquele dia que não entendi.
Valério: O quê que aconteceu: Tinha feito um negócio com o menino, com o Afonso, entendeu? Aí o Bispo Renato e o Júlio sentaram com o Afonso. E nada do compromisso. Lembrou que são seis pessoas: você, Renato, a Mesa, mais o Cristiano. (inaudível) Agora, se não tem compromisso, o Cristiano arrumou aquela parceria lá com as UTIs. E que nessa UtI teria — e aí passou o dinheiro para UTI. Tentaram conversar com o Afonso também. O Afonso disse que não poderia garantir nada. Segundo informação (inaudível) passada pessoalmente pelo Bispo Renato e pelo Júlio Cesar, inclusive naquele dia (inaudível) com o Afonso na última tentativa… Não abriu mão. Enquanto o Cristiano tem um negócio que pode render no mínimo 5 e no máximo 10, fica em torno de 7.
Liliane: É, é bom ficar no meio, né? Então tá.
Valério: Como o Afonso não garantiu, eles não negociaram.
*Valério detalha a decisão de colocar todo o recurso na Saúde, que era o lugar “que tem jeito”, enquanto na Educação “não tinha jeito”:
Valério: Mas meio a meio foi combinado.
Liliane; Ah foi?
(inaudível)
Valério: Foi. Aumentar pra 30 e dividir, só que o Afonso falou que na metade dele não tinha jeito, aí a turma falou: “Peraí, se não tem jeito, vamos botar tudo num lugar que tem jeito, ainda deixamos 1 milhão lá pro Afonso”.
Procurada, a presidente da Câmara Legislativa, Celina Leão, os distritais Júlio César e Bispo Renato negaram, por meio de nota assinada pela Mesa Diretora, irregularidades. Valério Neves não foi encontrado pela reportagem. A assessoria de Cristiano Araújo afirmou que ele não vai se pronunciar por não saber o conteúdo da investigação que ocorre na Justiça.
Também por meio de nota, o Ministério Público comentou o escândalo. Confira a íntegra do documento:
“O MPDFT confirma que instaurou procedimento investigativo na área criminal para analisar o conteúdo dos áudios entregues à instituição pela deputada Liliane Roriz. O procedimento foi aberto pela vice-procuradoria-geral de Justiça, que tem atribuição para investigar atos relacionados a autoridades com foro privilegiado.
Esse procedimento foi instaurado no dia 12 de agosto, logo após o recebimento dos áudios pela assessoria criminal do MPDFT. Para melhor apuração dos fatos, foi decretado o sigilo das investigações.
Outros procedimentos de investigação, que já estavam em curso nas Promotorias de Justiça para apurar fatos relacionados aos envolvidos sem foro privilegiado, seguirão seu curso normal.”