Estudo que defendeu Centrad na gestão Rollemberg foi considerado peça de lobby e motivou demissão de seu autor
Extinta pasta de Gestão Administrativa afirmava que GDF economizaria recursos com mudança, mas Secretaria de Planejamento contestou cálculos
atualizado
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O governo de Rodrigo Rollemberg (PSB), que hoje tenta evitar qualquer manifestação pró-Centro Administrativo do DF (Centrad), já teve quem o defendesse oficialmente. Uma nota técnica obtida pelo Metrópoles e assinada por três servidores da extinta Secretaria de Gestão Administrativa e Desburocratização (Segad) orientava, em 2015, a mudança imediata de 13 mil servidores para o endereço em Taguatinga — empreendimento que, agora se sabe, foi erguido sob os pilares da corrupção.
Logo após ser apresentado, no entanto, o documento foi questionado pela Secretaria de Planejamento e desconsiderado. Desconfia-se que o autor do estudo tenha feito lobby e atuado em favor do consórcio formado pelas empresas Odebrecht e Via Engenharia para erguer o complexo.
As suspeitas surgiram devido a divergências nas premissas usadas para o estudo, datado de outubro de 2015 e assinado pelo então coordenador de Parcerias Público-Privadas da Segad, José Carneiro da Cunha Oliveira. Na Avaliação de Viabilidade Econômico-Financeira do contrato do Centrad (foto em destaque), ele entendeu que seria vantajoso para o GDF e fez um robusto documento de 43 páginas tentando provar sua tese.
De acordo com o estudo, o contrato geraria uma economia operacional ao GDF de R$ 696,1 milhões em 22 anos, prazo de vigência da parceria público-privada. Mas, quando a Secretaria de Planejamento analisou os dados que serviram de base de cálculo, desconfiou das informações. A suspeita da pasta é de que tenha ocorrido um direcionamento para que o resultado da pesquisa fosse a favor da mudança.O ex-coordenador da Segad José Carneiro considerou, por exemplo, que uma das principais vantagens do contrato da PPP do Centrad seria a “centralização de despesas relativas a serviços como limpeza e conservação predial, segurança, vigilância e locação de imóvel”.
Entre os dados apresentados, o estudo de José Carneiro dizia, por exemplo, que o GDF gastava R$ 15,4 milhões por mês, entre aluguel de imóveis e prestadores de serviços relativos aos órgãos que deveriam ir para o Centrad. No entanto, a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão chegou a números diferentes. Segundo o órgão, esse gasto mensal era de R$ 6,5 milhões — menos da metade do que o apontado no documento da Segad.
Como o contrato prevê ainda o desembolso de R$ 22 milhões mensais a partir da ocupação do imóvel, a fatura da mudança ficaria mais onerosa. E, na avaliação da atual gestão, sem vantagens para o GDF. Os R$ 22 milhões são a contrapartida prevista na PPP firmada entre o governo local e o consórcio que construiu o Centrad.
Suspeitas
Além de considerar equivocadas as premissas na nota técnica da Segad, a Secretaria de Planejamento recebeu informações de que o então coordenador de PPPs, José Carneiro da Cunha Oliveira, teria sido consultor no processo de habilitação do consórcio da Centrad. Por isso, a pasta pediu uma investigação à Controladoria-Geral do DF (CGDF) sobre o caso.
A partir da denúncia, foi instaurado, em 11 de fevereiro de 2016, um Procedimento de Investigação Preliminar e designada comissão para identificar a consistência das informações.
De acordo com a CGDF, “a comissão realizou diversas oitivas com atores identificados na denúncia inicial. Ao final, entendeu que as questões tinham natureza penal e, por isso, deveriam ser enviadas para tratamento pelo Ministério Público”, disse a controladoria, por meio de nota. A comissão, no entanto, não identificou infrações disciplinares que tivessem sido cometidas por José Carneiro da Cunha Oliveira Neto.
Ainda assim, José Carneiro foi exonerado três meses após a apresentação do estudo e a identificação de divergências no contrato.
Outro lado
Ao Metrópoles, o ex-servidor afirmou nunca ter sido informado de qualquer suspeita sobre as premissas usadas no estudo e defendeu o documento elaborado em 2015. José Carneiro ressalta que uma cláusula contratual prevê o ressarcimento integral às empreiteiras de tudo o que não foi amortizado caso o GDF decida rescindir o compromisso.
Esse valor daria, em média, R$ 1,3 bilhão. E eu pergunto: seria vantajoso aos cofres públicos rescindir esse contrato e ser obrigado a desembolsar esse montante?
José Carneiro da Cunha Oliveira, ex-coordenador de Parcerias Público-Privadas da Segad
Ao menos nesse ponto, a Secretaria de Planejamento concorda com José Carneiro. Para a Seplag, a questão da rescisão não é tão simples de ser executada e, no formato como está prevista hoje, seria muito onerosa aos cofres públicos.
Além das contraprestações a serem pagas pelo GDF, o consórcio ganharia na operação financeira. Isso porque as empreiteiras contraíram empréstimo a 7% com bancos, mas o contrato com o governo local prevê reajustes de 12,68%. “Considerando o período do contrato (22 anos), o consórcio ganharia R$ 1,3 bilhão com a operação financeira. A Seplag questiona esse valor”, afirmou a secretária de Planejamento, Leany Lemos, ao Metrópoles.
A expectativa do GDF hoje é que, diante das revelações de que o Centrad foi usado como escoadouro de dinheiro público para financiar campanhas políticas, o governo consiga renegociar as cláusulas ou mesmo se livrar das obrigações contratuais.
De acordo com a assessoria do consórcio responsável pelo Centro Administrativo, “o edital para a construção, manutenção e operação foi modelado e validado pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), pelas secretarias competentes do próprio Governo do Distrito Federal (GDF), além de ser objeto de audiências e consulta públicas, como exige a legislação que impera sobre as Parcerias Público-Privadas (PPP) no Brasil.”
Os responsáveis pelo Centrad lembram que a Manifestação de Interesse Público para a construção foi publicada no Diário Oficial do Distrito Federal em julho de 2007. “Todo o processo ocorreu com o acompanhamento de diversas entidades, teve seu tempo de maturação devidamente respeitado, e os documentos que balizaram sua viabilidade estiveram à disposição da sociedade.”
Elefante branco
O fato é: o Centrad se tornou um gigantesco elefante branco em Taguatinga, com 14 prédios de 16 andares, além de um Centro de Convivência, Centro de Convenções e Marquise Cultural com anfiteatro, em uma área de 182 mil metros quadrados.
Para analisar o que vale a pena ser feito com o complexo, o GDF contratou, por R$ 2,2 milhões, a consultoria do Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (Unops). O estudo sobre a PPP ainda está em andamento e, em breve, o Unops emitirá um parecer.
Inauguração
Um dos defensores mais entusiasmados do projeto posto sob suspeita pelas delações da Lava Jato é o coronel Rogério Leão. Na gestão de Agnelo Queiroz (PT), Leão era chefe da Casa Militar e capitaneou uma força-tarefa para entregar a obra antes do término da administração petista.
Em prosaica agenda, Leão organizou evento para que em 31 de dezembro de 2014 — último dia de Agnelo à frente do GDF — se cortasse a fita do prédio até então inacabado. “Era só uma questão de marcar posição, chancelar que a obra foi inaugurada na gestão de Agnelo”, afirmou coronel Leão.
Em delações da Odebrecht, os diretores e ex-diretores da empreiteira acusam Agnelo de ter recebido pelo menos R$ 1 milhão em recursos não contabilizados para caixa 2 em troca da liberação da obra. Além de Agnelo, delatores da Odebrecht afirmam que a propina referente ao Centrad também teriam sido pagas ao ex-governador José Roberto Arruda (PR) e ao ex-vice-governador Tadeu Filippelli (PMDB). Os valores seriam, respectivamente, R$ 500 mil e R$ 2 milhões.
Mesmo diante das acusações, coronel Leão mantém o posicionamento a favor do Centrad: “Tudo deve ser apurado, com chance do contraditório e defesa dos que estão sendo acusados. Mesmo assim, continuo acreditando que a mudança para o centro traria desenvolvimento à região e economia para o Estado”.
Questionado por órgãos de controle desde antes de sua precipitada inauguração, o Centrad, que agora se alista entre as obras da Lava Jato, dificilmente vai tornar-se endereço da burocracia. O desafio do atual governo é achar saída técnica e que sirva ao público para uma obra construída na base do interesse privado.