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Fábrica de filhotes de cachorros e de maus-tratos funciona em área nobre de Brasília

Canil funcionava em casa do Jardim Botânico e foi interditado pela Agefis. Segundo a Polícia Civil, 81 cachorros eram criados em gaiolas e sem higiene. Há suspeita de que filhotes deformados seriam “descartados”. Responsável pelo local pode receber pena de até um ano de prisão

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
canil
1 de 1 canil - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Após denúncias publicadas pelo Metrópoles, a Polícia Civil do DF confirmou, na tarde desta segunda-feira (21/12), os maus-tratos em cachorros engaiolados no canil Solar de Brasília, que funciona em um condomínio do Jardim Botânico. Os animais começaram a ser retirados do local por volta das 20h para serem enviados a abrigos.

Quem acompanhou a vistoria da polícia ficou horrorizado com o que viu: “O espírito de quem entra e sai desse canil é de revolta. Pessoas que se dizem criadoras e mantêm um circo de horrores deviam ser presas. Sem dúvida a denúncia do Metrópoles acabou com a fábrica de filhotes”, desabafou a veterinária Paula Galvão Teixeira.

A  Agência de Fiscalização (Agefis) interditou o local, denunciado também por ser uma “fábrica” de filhotes de raça, um negócio altamente rentável. A proprietária do canil, Edmê Maria de Oliveira, saiu acompanhada de agentes para a Delegacia do Meio Ambiente (Dema).

Segundo a Polícia Civil, 81 cães foram resgatados. Uma ONG de proteção aos animais se disponibilizou para ser fiel depositária dos bichos e cuidar deles em uma chácara até que o processo judicial seja finalizado.

Edmê Maria foi autuada por maus-tratos aos animais e, se condenada, pode ficar entre três meses e um ano em reclusão. Ela prestou depoimento e foi liberada após assinar termo de comparecimento à Justiça.

Segundo o delegado-chefe da Dema, Ivan Dantas, a mulher assumiu que não tem autorização para o funcionamento do canil, mas negou os maus-tratos aos animais. Ela disse que eles eram bem tratados e cuidados. A suspeita também disse ao delegado que pretende pedir à Justiça a restituição de posse dos cachorros. Segundo o delegado, em casos de maus-tratos, os animais costumam ser enviados para adoção após o julgamento.

Calor e frio
Segundo Simone Gonçalves, do Conselho Regional de Veterinária, foi confirmado que os animais estavam expostos ao calor e ao frio, desnutridos e desidratados. Ela disse que examinou boa parte dos animais. “Muitos estão doentes. Vamos fazer exames mais detalhados em todos eles”, destacou após sair do canil.

Os animais serão retirados ainda nesta segunda do local e levados por grupos de protetores de animais que acompanham a operação desde o início do dia. Eles ficarão com a guarda dos cachorros e assinarão um termo de responsabilidade.

A criadora, que tem registro no Kennel Clube, entidade responsável pelo registro de cães de raça pura, vai perder o documento. “Agora com essas evidências físicas, como vídeos e fotos, fica claro que os criadores não respeitavam o Código de Ética da Confederação Brasileira de Cinofilia (CBKC) e devem ser impedidos de realizar os registros”, afirmou Pedro Lóes, diretor-financeiro do Kennel Clube de Brasília. De acordo com ele, o Solar de Brasília já não registrava cães no Kennel Clube desde março.

Fiscais da Agefis estiveram no local após publicação da matéria do Metrópoles

 

 

Produção em massa de filhotes
Quem chegava ao canil já ouvia os latidos antes que o portão de ferro seja aberto. À primeira vista, a casa ainda inacabada parecia comum, como qualquer outra erguida nos condomínios fechados do Jardim Botânico, em terrenos onde cachorros correm pelos gramados ou guardam o patrimônio de seus donos.

No entanto, escondidos nos fundos do lote, cães estavam confinados em gaiolas, na escuridão, sujos e sem cuidados, vítimas de maus-tratos, onde a produção em massa de filhotes de raça fazia o negócio prosperar. O espaço é registrado no Kennel Clube de Brasília.

Segundo as denúncias, o cheiro forte das fezes e urina que se acumulavam debaixo das gaiolas. A criação dá lugar a um teste de sobrevivência. Os que morrem ou adoecem são descartados, jogados fora, segundo acusam os defensores dos animais. Sem controle, o local se tornou uma “fábrica de filhotes”.

Dezenas de cães da mesma família estavam amontoados em pequenas baias de concreto e arame, conforme revelam as imagens. Como resultado, o cruzamento destes animais acabou-se gerando filhotes deformados, sem patas ou olhos, como se os pequenos cães tivessem sido mutilados. Os que não serviam para a venda, eram dispensados, segundo denúncias de grupos de proteção de animais.

Assista ao vídeo da denúncia contra o canil:

Os que se salvavam eram “escoados”, como se diz na gíria dos vendedores. Feiras livres, como a que ocorre todo fim de semana na Feira dos Importados, eram usadas como canal para vender os animais. A internet também era ponto de venda dos bichinhos. Quem passa pelo estacionamento quando os cães estão expostos sequer imagina o que há por trás deste comércio. Perfumados e devidamente penteados, os filhotes passam por uma transformação para serem vendidos. Mas a ilusão acaba dias depois. Doentes e com o sistema imunológico enfraquecido, acabavam morrendo.

Aprisionados
A água suja e a escassez de comida transformavam a sobrevivência dos cães em um golpe de sorte. As doenças provocadas pelo excesso de moscas e carrapatos reduziam – ainda mais – a chance de sobrevivência. Cômodos da casa onde funcionava o canil serviam como ambientes de confinamento. Filhotes dentro de caixas de papelão e gaiolas estavam espalhados por todos os cantos. O Metrópoles esteve no local. Em um período de uma hora, a reportagem contou 115 animais, entre adultos e filhotes.

Rafaela Felicciano/ Metrópoles
Animais são confinados em gaiolas, em local impróprio e sem cuidados de higiene

 

Nem os banheiros da residência deixavam de abrigar os animais. Em um deles, uma caixa com filhotes permanecia ao lado de um vaso sanitário. Praticamente nascidos e sobrevivendo dentro das gaiolas, as patas dos bichos ficavam deformadas por conta dos arames em que eram obrigados a pisar até serem vendidos.

Pelo menos oito baias de concreto foram construídas nos fundos do terreno. Até oito cães dividiam os espaços com cerca de três metros quadrados. Algumas das estruturas não possuíam coberturas. Os animais ficavam sob sol e chuva, sem qualquer proteção.

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Fotos: Rafaela Felicciano/Metrópoles
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Só o lucro importa
O canil funcionava em uma residência do condomínio Solar de Brasília, nome que batiza o negócio. Possui uma estrutura precária para manter cães adultos e filhotes de raças nobres. Alguns chegavam a custar R$ 6 mil, como é o caso de uma fêmea de Buldogue Inglês. Ela vivia em um dos cubículos de concreto cercado por telas erguida nos fundos do quintal, dividindo a baia com outros cães de pequeno porte.

A dona do canil, uma mulher de 70 anos, se referia aos animais como mercadorias. No local, o dinheiro falava mais alto, não importa a procedência de quem compra os bichos. “Aqui é tudo à vista. Mesmo os cães que não estão à venda têm um preço. Aquele ali é raro, vendo por R$ 2,2 mil”, disse a mulher, apontando para uma fêmea da raça Shih Tzu de cor chocolate e focinho vermelho – características raras de serem encontradas na raça.

A proprietária se gabava de ser uma das poucas criadoras da raça West Highland White Terrier no DF. Os filhotes são vendidos por R$ 2,2 mil. “Esse não existe em Goiânia, por exemplo. Pessoas viajam até aqui para comprar”, contou.

Durante o tempo em que a reportagem passou no local, foi possível ver uma série de raças de alto padrão, consideradas caras no mercado de animais de estimação. Eram adultos e filhotes de Maltês, York Shire, Lulu da Palmerânia, além de West Highland White Terrier e Shih Tzu. Todos cães vendidos por valores entre R$ 1,5 mil e R$ 6 mil.

Marcas profundas
O canil foi denunciado por um grupo de protetores de animais que costuma resgatar cães vítimas de maus-tratos ou que são simplesmente abandonados. A mulher, que pediu para não se identificar, conta que os filhotes nascidos em canis como este carregam marcas para toda a vida. Isso quando conseguem sobreviver.

Como resultado da ação destes canis, temos animais frágeis, com problemas neurológicos, oculares e doenças sanguíneas. São cães que mal conseguem andar, que jamais tiveram a chance de pisar em uma grama ou tiveram contato saudável com humanos.

Integrante de grupo de proteção dos animais

De acordo com a diretora-geral do ProAnima, Simone de Lima, canis como o do Solar de Brasília apostam em raças pequenas e sofisticadas. São animais com um custo benefício maior porque comem pouco e custam caro. Mesmo assim, os cães sofrem maus-tratos para aumentar a margem de lucro dos ditos criadores.

“Toda falta de cuidados resulta em animais com problemas, que poderão apresentar desvios comportamentais e irão exigir um cuidado veterinário muito maior do que a pessoa que o comprou estaria disposta a dar. E, então, após a compra, é bem provável que o animal continue a ter suas necessidades ignoradas, seja abandonado, enviado para um abrigo ou sacrificado”, explica.

O Metrópoles ligou para a proprietária do canil para repercutir com ela as denúncias, mas ela não atendeu as ligações. Em um dos celulares foi deixado recado na Caixa Postal.

Arte: Joelson Miranda

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