Doleiro Fayed Traboulsi mantém casas de pôquer em área nobre de Brasília
Fayed migrou do câmbio negro para as apostas ilegais sem ser incomodado. Ele comanda suntuosas casas de pôquer na cidade, uma dela fica com vista para a Ponte JK
atualizado
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Madrugada de sexta-feira, 14 de novembro. Um grupo de oito pessoas praticamente em silêncio segura um par de cartas. Eles estão ao redor de uma mesa de feltro azul sem quinas. Pelo semblante de cansaço dos apostadores, já haviam disputado algumas centenas de mãos de pôquer. Em pé, a única mulher do ambiente. Ela veste um jaleco branco e, enquanto um dos jogadores observa os adversários, a moça loira massageia delicadamente as costas dele.
Em frente a este homem, está Fayed Antoine Traboulsi, 54 anos. Libanês, nascido em Beirute, mas naturalizado brasileiro, o Turco, como é conhecido entre seus patrícios, tornou-se um ilustre personagem do câmbio negro praticado na capital candanga. Foi em Brasília que ele iniciou as operações, fermentou seus negócios ao arrepio da lei e enriqueceu a olhos vistos. Nos últimos três anos, quatro operações tangenciaram suas atividades suspeitas. Em uma das ações policiais, Fayed acabou condenado a seis anos de prisão em regime inicialmente fechado. Depois da sentença, ficou detido menos de 24 horas.
Como um peixe ensaboado, Fayed sempre escapuliu da rede das autoridades. E, confiante na sua desenvoltura para driblar a lei, migrou de atividade. De doleiro do mercado paralelo, ele agora controla casas de pôquer em Brasília. Uma delas é a maior da cidade, tem quatro pavimentos em 1.000 metros quadrados, incluindo um terraço com vista para a Ponte JK.
Era na P2W (Play to Win) que, naquele 14 de novembro, Fayed jogava pôquer em uma mesa milionária. À 1h30 da manhã, as apostas acumulavam meio milhão de reais. Quem quisesse participar do grupo teria de pingar R$ 2 mil por uma única rodada, que evoluía, em segundos, para R$ 10 mil. O “cash game”, ou pôquer no dinheiro, não é regulamentado no Brasil, embora os torneios com prêmios previamente estipulados sejam autorizados e o tema esteja em tramitação no Congresso.
Na quarta-feira (9/12), a Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (CEDN) do Senado aprovou o Projeto de Lei do Senado (PLS) 186/2014, que regulamenta a exploração dos jogos de azar. Por se tratar de um substitutivo, o texto voltará à pauta da comissão, para ser submetido a um turno suplementar de votação antes de seguir ao plenário.
A reportagem do Metrópoles acompanhou a rotina da P2W durante um mês e constatou que, além dos torneios esporádicos, as apostas individuais ocorrem de segunda a segunda. A casa só fecha uma vez ao ano. Como quase tudo o que pertence a Fayed, essa casa de pôquer também não está em nome dele, mas, pelas informações da nota fiscal, aparece vinculada a dois irmãos, Israel e Érika Rodrigues, ligados ao doleiro.
Érika é a nova companhia do doleiro. A moça, de 26 anos, mora na mesma suíte onde um dia Fayed hospedou Luciane Hoepers, no Golden Tulip. Hoje miss bumbum por Santa Catarina, Luciane, até setembro de 2013, era uma das “pastinhas” que Fayed usava para aplicar golpes nas contas de vários municípios no país (veja fotos abaixo).
O caso foi desvelado pela Operação Miqueias da Polícia Federal e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). As pastinhas tinham a obrigação de seduzir prefeitos e convencê-los a aplicar dinheiro público em fundos de pensão fajutos. Segundo o inquérito policial, o grupo desviou, pelo menos, R$ 300 milhões.
Embora rumoroso, o caso até hoje está amarrado, e os supostos envolvidos sequer foram denunciados. Enquanto tenta se livrar das acusações, Fayed leva uma vida nababesca na capital da República. É dono do maior iate do Lago Paranoá, vive entre uma cobertura na Asa Norte e uma mansão no Lago Sul e desfila com os carros que a Polícia Federal um dia chegou a apreender. Conheça um pouco mais sobre a vida do doleiro ostentação.
Nascido em Beirute, capital do Líbano, em 28 de fevereiro de 1961, Fayed não chegou a cursar ensino superior. Nem por isso se acha menos qualificado. Em depoimentos à Polícia Federal após ser preso em 2013, definiu-se como “autodidata” do mercado financeiro, apenas lendo livros de economia. De amador, Fayed virou, em alguns anos, um “expert” do câmbio negro.
Seus serviços rotineiramente requisitados por empresários e políticos da cidade desde a década de 1990 lhe renderam uma vida mais que confortável. Mansões, carros importados, empresas e o barco italiano, único no Brasil, fazem parte do universo de luxo de Fayed, apesar de não estarem, muitas vezes, em nome dele.
Tomando como base os registros de propriedade, Fayed teria apenas uma moto Harley Davidson 2002, uma caminhonete ano 2011 e ações em uma empresa de pecuária, que está com as atividades suspensas. Mas a polícia descobriu um patrimônio exponencialmente maior do que o declarado. O iate dele, batizado Georgette, nome de sua mãe, está vinculado a terceiros, mas tornou-se símbolo de uma das operações que o levou à cadeia (veja galeria com detalhes da embarcação).
Durante a investigação da Operação Miquéias, os policiais federais identificaram parte do patrimônio milionário que Fayed construiu – mesmo sem ter um centavo em contas pessoais. O pagamento da lancha do doleiro revela a forma como ele tentou camuflar as transações financeiras envolvendo a compra do iate. Assinado em 12 de dezembro de 2012, o contrato obtido pelos federais mostra que Fayed pagou R$ 956.020 como caução. O curioso é que ele utilizou mais de 10 contas-correntes de pessoas físicas e jurídicas para realizar 17 depósitos diferentes em um período de apenas 11 dias.
O contrato mostra que a embarcação foi vendida pela Sessa Marine por 1,6 milhão de euros. Em valores atualizados, a embarcação custaria, hoje, cerca de R$ 6 milhões. Fayed também utilizou uma empresa de fachada, segundo as investigações, para fazer outro depósito, no valor de R$ 1,2 milhão.
Encabeçado por laranjas, os negócios de Fayed se multiplicam pelo DF. Além de uma loja de revenda de veículos importados na QI 3 do Lago Sul, ele é dono de dois postos de combustíveis. Um deles, na 105 Norte, de frente para o Eixinho, está no nome da ex-mulher, Márcia Regina Flausino Traboulsi.
A Operação Lava Jato — que investiga desvios milionários na Petrobras —chegou a ventilar o nome de Fayed, mas, até agora, ele não foi fisgado. Entre os próprios investigadores da maior força-tarefa para apurar crimes de corrupção no país, há quem aposte que ele é, na verdade, o tubarão do esquema de lavagem de dinheiro descoberto em Brasília.
Embora não seja citado formalmente na Lava Lato, ele aparece em escutas que embasaram a prisão de Carlos Habib Chater, dono do Posto da Torre, que batizou a operação da PF e do Ministério Público. Na última terça (8/12), Chater, mesmo preso, voltou à mira dos procuradores e policiais federais que investigam a exploração ilegal de diamantes em Rondônia.
Chater e Fayed são muito amigos, e há a suspeita de que tenham agido em sociedade. Os procuradores da Lava Jato têm uma agenda que indicaria transações financeiras entre os dois doleiros.
Em uma das agendas apreendidas com Fayed pela Polícia Federal está um indicativo de pagamento de R$ 300 mil a “C. Habib”. Um posto de combustíveis no Recanto das Emas, que pertencia às empresas de Chater, foi transferido para o nome da ex-mulher de Fayed, Márcia Regina Traboulsi.
A mais recente operação que pode respingar no libanês é a Crátons, deflagrada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal na terça-feira (8/12) para combater a exploração ilegal de diamantes na Reserva Indígena Parque do Aripuanã, em Rondônia. Entre os endereços onde foram cumpridas as buscas, estão propriedades de Chater. Ele seria um dos financiadores do esquema.
Não é uma tarefa fácil rastrear todos os imóveis que, indiretamente, pertencem ao libanês. Atualmente, Fayed vive em uma cobertura avaliada em R$ 1,4 milhão, na 212 Norte. Ele ainda possui duas casas no Lago Sul.
A história de Fayed Traboulsi no Brasil começa por conta da Guerra Civil vivida pelo Líbano nos anos 1980. A violência fez a família libanesa abandonar o país de origem e seguir para São Paulo na tentativa de uma vida melhor. Passaram também por Goiânia. Filho do mascate Antoine Assaf Taboulsi, Fayed não demorou para desembarcar na capital do país, sozinho. Começou a ganhar dinheiro e conhecer brasileiros enquanto trabalhou como gerente nos hotéis San Marco e St. Peter. Naquela época, conheceu o doleiro Chaker Youssef Nasr, que fazia o câmbio em um escritório no Hotel Kubitscheck Plaza. Até indicava clientes para o conterrâneo.
A história de Fayed começaria a mudar no dia 19 de dezembro de 1995, quando, por volta das 13h30, Chaker foi assassinado durante um latrocínio (roubo com morte) dentro do próprio escritório. A família da vítima não quis tocar o negócio. Fayed foi procurado por Chico Gordo, um dos funcionários do doleiro, para darem andamento à troca de dólares. O libanês não sabia, mas a morte de Chaker seria um divisor de águas em sua vida.
Fayed tinha o dinheiro para comprar o estabelecimento. Chico Gordo, a agenda de clientes do antigo chefe. Simples e rápido, estava montado um negócio que renderia milhões de dólares nos anos seguintes. Naquele momento, Fayed Antoine Traboulsi começou, de verdade, a trocar dólares, deixando de lado o câmbio de pequenas quantias geralmente feito por turistas que vinham conhecer a capital. Se mantinha no anonimato por trás de um balcão até, segundo pessoas ligadas a ele, começar a ser procurado por políticos e empresários para fazer transações e saques ilegais.
Para isso, Turco montou uma equipe de laranjas, que colocavam à disposição do doleiro contas-correntes abertas em diferentes instituições bancárias. Essas pessoas se encarregavam de receber os depósitos, fazer os saques e entregar o dinheiro a quem era indicado por Fayed. Até hoje, o doleiro usa a tática para despistar os gastos e os bens milionários. Ele tem o poder de dar apenas um telefonema e movimentar milhões sem que o nome apareça em qualquer transação.
Turco atuou livremente na capital do país sem ser incomodado por mais de 20 anos. Fez fortuna, ganhou a confiança de políticos, empresários e de muitos policiais. A influência dele entre alguns delegados e agentes da Polícia Civil era tanta que o grupo tentou atrapalhar uma investigação da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Deco). Mesmo assim, o doleiro e os policiais acabaram presos, em março de 2013. Fayed, no entanto, conseguiu a liberdade em poucos dias. Foi a primeira vez que o Turco conheceu o cárcere.
Seis meses depois, mais uma prisão. Desta vez, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público do DF e Territórios. Acusado de dar golpes em fundos de pensão e causar prejuízo de pelo menos R$ 300 milhões aos cofres públicos, Fayed também teve bens apreendidos. Entre eles, o maior barco do Lago Paranoá. O custo alto com a manutenção desses bens fez com que a PF os devolvesse a Fayed, que está como fiel depositário.
No fim de março deste ano, o doleiro foi condenado a seis anos de prisão em regime fechado. A sentença, da 1ª Vara Criminal de Taguatinga, é resultado das investigações da Operação Infiltrados. Levado para o Complexo Penitenciário da Papuda, não ficou nem 24 horas recluso. Uma liminar assinada pelo desembargador Romão Cícero, do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT), livrou o doleiro da prisão. Hoje, responde em liberdade aos crimes, mas está com o passaporte retido e proibido de viajar sem avisar à Justiça. O advogado dele é Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, um dos criminalistas mais requisitados do país.
Os rolos na Justiça, entretanto, não afetam a rotina de Fayed, que divide as noites animadas com outras atividades além dos negócios. Ele costuma passar os domingos com os dois filhos e gosta de jogar tênis, sempre no começo da noite, tanto na quadra particular que tem na casa do Lago Sul quanto em clubes. Entre os hábitos gastronômicos, almoça em restaurantes luxuosos, mas frequentemente é visto em um self-service de comida árabe da Asa Norte.
Operação Infiltrados
No dia 8 de março de 2013, Fayed Antoine Traboulsi foi preso pela primeira vez. Estava em casa, no Lago Sul, quando policiais civis da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Deco) e promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPDFT cumpriram a prisão preventiva. De acordo com as investigações, Fayed era investigado por lavagem de dinheiro por meio do Ceilândia Esporte Clube e conseguia detalhes sobre o andamento das apurações. A Deco descobriu que o doleiro recebia as informações por meio dos delegados da PCDF Sandra Maria da Silveira e Paulo César Barongeno. Os dois, também presos durante a Infiltrados, foram acusados de atrapalhar as investigações para passar informações sigilosas a Fayed com a intenção de favorecer o doleiro. Teriam, inclusive, coagido um agente da polícia para que ele não investigasse Fayed.
Operação Elementar/Miqueias
Seis meses depois de ser preso na Infiltrados, Fayed Antoine foi surpreendido novamente em casa. Desta vez, por policiais federais e por promotores, pela acusação de dar um golpe de pelo menos R$ 300 milhões em fundos de pensão. Foram cumpridos 27 mandados de prisão e 75 de busca e apreensão em nove estados e no Distrito Federal. O grupo era responsável por aliciar, por meio de mulheres bonitas conhecidas como “pastinhas”, prefeitos e funcionários públicos para investirem dinheiro de fundos de pensão da Previdência Social de servidores públicos estaduais e municipais em títulos podres, sem rentabilidade, administrados pelos envolvidos no esquema. Quem fechava acordo com a quadrilha recebia uma parte do valor aplicado. Durante a operação, foi apreendido um iate de luxo no Lago Paranoá. A embarcação, que pertence a Fayed mas está em nome de laranja, virou símbolo da operação. É a maior lancha do espelho d´água e a única no Brasil. Está avaliada em R$ 5 milhões.
Sem se preocupar com a redondeza cercada por autoridades policias, a P2W instalou-se no Setor de Clubes Sul, próxima aos clubes de juízes, promotores e delegados de polícia. O que não falta nos quatro pavimentos é luxo, a começar pelo carro zero quilômetro com um laço vermelho exposto logo na entrada. Inaugurada no dia 16 de junho deste ano, é ponto de encontro de homens, mulheres, estudantes, servidores, empresários, político e amantes da jogatina. Pessoas próximas a Fayed — um fanático por noitadas — garantem que ele investiu R$ 4 milhões para montar o local.
A entrada é gratuita. Basta apresentar a Carteira de Identidade às atendentes que ficam na recepção para conseguir o cartão de acesso. Feito isso, um segurança abre uma porta de madeira que dá para o salão principal. No térreo, há seis mesas onde as apostas começam a partir de R$ 100. Homens e mulheres bonitas trabalham como crupiês. Garçons e garçonetes servem os jogadores. O ambiente é silencioso. Não tem música, as pessoas evitam conversar e alguns jogadores usam fone de ouvido. Tudo para manter a concentração. Vez ou outra, alguma funcionária se aproxima dos visitantes e pergunta se precisam de alguma coisa.
Neste andar, estão jogadores de todas as idades. Alguns, com mochila nas costas. O Metrópoles flagrou um grupo de garotos conversando sobre as apostas. “Vou jogar para juntar dinheiro e pagar a minha formatura”, disse um deles, estudante do 3º ano do ensino médio de uma escola particular na Asa Sul. Ele tinha 17 anos.
Apesar de o térreo estar sempre cheio e com as mesas lotadas, a ostentação ocorre no primeiro andar. É preciso ter dinheiro, e coragem, para atravessar a porta de vidro e sentar na mesa em que as cartas começam a ser distribuídas depois do pagamento de cifras altas. O Metrópoles esteve na P2W em um dos dias em que Fayed jogava nesta mesa. Passava de 1h30. Para entrar na jogatina, era preciso desembolsar R$ 2 mil iniciais. “Mas as mãos estão sendo de R$ 5 mil ou R$ 10 mil”, contou um funcionário que fica na entrada do andar, desencorajando a entrada da equipe na aposta.
À vontade na mesa, vez ou outra, Fayed deixava o local e circulava um pouco pela casa. Olhava para o andar debaixo, lotado de apostadores e dinheiro, e voltava a jogar. O último andar é apropriado para relaxar. Aberto, com vista para o Lago Paranoá e para a Ponte JK, é decorado com sofás, poltronas e algumas mesas. Lá, jovens fumam narguilé enquanto esperam vagas nas próximas partidas.
O doleiro usa a casa para fazer reuniões. Entre os convidados, estão empresários, políticos e até policiais. Quem conhece Fayed garante que ele se sente confiante em não ser descoberto porque a casa não está no nome dele, mas de dois laranjas.
Apesar de estar no Setor de Clubes Sul e se chamar P2W, a empresa emite cupom fiscal eletrônico em nome da Yes Clube, outra casa de pôquer controlada pelo doleiro, localizada na 706/707 Norte. Todos os dados, como CNPJ, telefone e endereço aparecem da Yes. A Secretaria de Fazenda do DF garantiu que “um estabelecimento não pode utilizar documentos fiscais de outro”. No entanto, a pasta disse que não pode fazer pesquisas detalhadas sobre o CNPJ porque a empresa está sob sigilo fiscal, e os dados não ficam disponíveis.
“Os donos”
O negócio milionário comandado pelo casal de irmãos Erika e Israel Rodrigues seria o exemplo perfeito de empreendedorismo caso os dois não fossem laranjas do doleiro Fayed Traboulsi. O quadro societário das duas principais casas de pôquer do libanês – a P2W e a Yes Club – é formado por uma mulher de 26 anos e o irmão dela, de 23. Erika Geordani Paiva Rodrigues e Israel Nicholas Ferreira Rodrigues têm carros do ano e imóveis no Plano Piloto. Pertencem a uma família de classe média que mora em Sobradinho.
Erika figura como sócia-administradora do clube de Pôquer Yes. A casa, inclusive, cede o número no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) para emitir notas e cupons fiscais na P2W, dividindo o mesmo registro entre os dois estabelecimentos como se fossem “sede” e “filial”. Qualquer alimento ou bebida consumida dentro da casa de pôquer no Setor de Clubes Sul terá o nome da Yes Club no cupom fiscal.
Erika é dona de três carros, entre eles um Jeep Renegade 2015/2016, avaliado em R$ 75 mil. Ainda consta no nome dela um flat em um dos hotéis do Setor Hoteleiro Norte. Três anos mais jovem que a irmã, Israel não fica muito atrás quando o assunto é patrimônio. Ele aparece como proprietário de um apartamento na quadra 712/713 Norte.
A reportagem do Metrópoles esteve em todos os endereços vinculados aos irmãos. Eles não foram encontrados em nenhum deles. Em uma das casas, em Sobradinho, que também consta como residência dos irmãos, uma prima da jovem informou que não via Erika há muito tempo. Perguntada se sabia que Erika era dona de uma casa de pôquer, a prima confirmou: “Já ouvi falar por alto, mas não tenho contato com ela”, disse. Questionada se tinha ciência de que a prima seria laranja de um doleiro, a moça fez apenas cara de espanto.
Ligações políticas
A influência política do doleiro se traduz pelas conexões que tem em vários estados e na capital da República. A Operação Miquéias, da Polícia Federal, deflagrada em setembro de 2013, trouxe à tona a proximidade de Fayed com figuras políticas. Em uma das conversas interceptadas pela PF, em 26 de novembro de 2012, Fayed liga para o deputado federal Waldir Maranhão (PP-MA) para confirmar uma reunião. Maranhão, hoje, é o primeiro vice-presidente da Câmara.
Na conversa dos dois, Fayed o chama de “meu deputado”. Maranhão retribui com “meu irmão”. O doleiro pede a confirmação do encontro, e o parlamentar promete retornar. Menos de um mês depois, em 11 de dezembro, os dois combinam um encontro na casa de Maranhão. “Deixa eu lhe falar: como é que tá seu tempo? Dá pra passar hoje lá em casa rapidinho ou amanhã de manhã?”, convida o deputado. Fayed aceita e diz que faria a visita depois das 22h.
Eduardo Gomes (SD-TO), ex-deputado federal, também foi flagrado nas escutas da PF. Em uma das gravações, os dois combinam um café. “Meu chefe, você tá na área?”, pergunta Fayed. Gomes é amigável: “Tô em Brasília, meu irmão. Deixa eu te falar. Eu falei com meu amigo e ele colocou o chefe de Gabinete dele, que é irmão da pessoa que nós precisávamos falar. Então assim, pra resolver o problema pontual tá no jeito, mas eu queria ampliar o assunto na segunda-feira porque eu sei que a gente quer chegar numa situação mais definitiva, entendeu?”.
Segundo a PF, Eduardo Gomes queria apresentar o presidente de algum instituto a Fayed. O caso teria relação com os fatos investigados na Operação Miqueias. Uma agenda de Fayed apreendida durante a operação relaciona todos os pagamentos do doleiro à rede ligada a ele. Entre os nomes, constam o pagamento de R$ 250 mil para uma pessoa identificada como E. Gomes. O processo da Miqueias tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) em virtude do foro privilegiado de alguns dos investigados. A defesa de Fayed tenta desqualificar a ação.
Investigação
Procurado pela reportagem do Metrópoles, o diretor-geral da Polícia Civil, delegado Eric Seba, afirmou que teve conhecimento sobre a existência da casa de pôquer P2W há cerca de 30 dias. “Tão logo a polícia teve notícias sobre o funcionamento da casa de jogos, alguns trabalhos de apuração começaram”, resumiu.
O delegado lembrou que existem jurisprudências com diferentes entendimentos sobre a caracterização do pôquer como esporte, e não jogo de azar. “No entanto, sabemos que, no Brasil, muitas casas clandestinas voltadas para jogos de azar costumavam ser usadas para lavar dinheiro”, explicou.
A reportagem entrou em contato com Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado de Fayed, mas, até a publicação desta matéria, ele não havia retornado as ligações.