Convidados do GDF ganharam ingresso, petiscos e cerveja nas Olimpíadas
Governo local distribuiu 6.026 bilhetes, mas um seleto grupo de 1.876 pessoas — entre autoridades do Executivo e do Legislativo — recebeu tratamento especial. Foram levados ao Mané Garrincha de van, não enfrentaram filas e, no camarote, ainda tiveram direito a comes e bebes, como camarão e bebidas destiladas
atualizado
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As partidas das Olimpíadas no Distrito Federal chegaram ao fim. Cerca de 300 mil pessoas passaram pelo estádio Mané Garrincha, enfrentando longas filas, preços abusivos e banheiros sujos. Mas essa realidade foi bem diferente para um seleto grupo, escolhido a dedo pelo Governo do DF. Um total de 6.026 pessoas ganharam bilhetes “0800”. Entre eles, 1.876 integraram uma espécie de “clube VIP”, que escapou das filas quilométricas e ainda teve direito a petiscos chiques — como camarão empanado —, cerveja e caipirosca. Tudo de graça, servido nos camarotes.
Esses 6.026 ingressos foram doados ao Executivo local pela Rio-2016, organizadora dos Jogos Olímpicos. Do total, 3.150 foram distribuídos para 29 órgãos e instituições parceiras, que trabalharam diretamente na segurança da competição. Outros 1 mil foram sorteados entre os servidores do GDF.Os 1.876 restantes ficaram com os “VIPs”: secretários, deputados federais e distritais, convidados da Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap), do Banco de Brasília (BRB) e do Palácio do Buriti.
A maioria dos agraciados recebeu um par de entradas, mas teve quem aproveitou a ocasião para levar a família. Trocou um bilhete aqui, outro ali, e conseguiu levar os filhos com o “ingresso institucional”. Enquanto isso, torcedores comuns, que tiveram que custear o próprio ingresso e a alimentação, precisaram desembolsar entre R$ 25 (a meia mais barata) e R$ 200 (a inteira mais cara). O valor chegou a 10 vezes, para entradas vendidas no mercado ilegal pelos cambistas, fora da arena. Um cheeseburguer dentro do estádio custava R$ 18, e um refrigerante, R$ 10.
A reportagem do Metrópoles acompanhou o transporte bancado pelo GDF na última sexta-feira (12/8), quando jogaram as seleções femininas de Suécia x Estados Unidos; e no sábado (13), no jogo Alemanha x Portugal, pelo torneio masculino. Brasília recebeu, ao todo, 10 jogos.
Uma mulher com uma camisa na qual estava escrito Governo de Brasília conferia os ingressos das pessoas e as autorizava a entrar nas duas vans paradas em uma área localizada entre o Palácio do Buriti e o Tribunal de Contas do DF. O veículo, com a logomarca do GDF, seguia direto para o estacionamento interno do Mané Garrincha.
Gastos com camarote
O GDF tinha dois camarotes no Mané Garrincha. O espaço localizado na parte inferior recebia convidados do BRB e do Buriti. Lá também estavam integrantes da “Família Olímpica” — parentes de atletas e pessoas ligadas às delegações. Eles, no entanto, não receberam ingressos do governo. Nesse camarote, havia salgadinhos, frutas e cerveja. A bebida alcoólica teria sido custeada pela patrocinadora do evento, a Skol. O BRB gastou R$ 43.374 com os “mimos”.
No espaço de cima, onde estavam os convidados da Terracap, proprietária da arena brasiliense, a pompa era maior. Os VIPs degustavam frutos do mar, salgadinhos, frutas, cerveja e bebidas destiladas. Segundo a assessoria do GDF, “a Terracap firmou parcerias com empresas que queriam fazer demonstrações dos produtos e, por isso, não houve custo para a estatal”.
Segundo o especialista em finanças públicas José Matias-Pereira, conceder tais regalias é um comportamento ofensivo e demonstra falta de bom senso por parte do governo. “Muitas vezes, decisões que aparentemente são pequenas acabam tendo um efeito de demonstração muito grande no sentido negativo, são inadequadas e ofendem o contribuinte”, disse.
Se o governo sinaliza de um lado a necessidade de conter despesas, tendo enorme dificuldade em oferecer serviços básicos para a população, não é adequado que fique fazendo mimos para uma classe privilegiada. Só serve para mostrar, ainda mais, a diferença entre os simples mortais que pagam os tributos e os governantes que pensam que podem tudo.
José Matias-Pereira
A situação soa mais grave ainda quando o Palácio do Buriti alega não ter recursos para pagar reajustes a diversas categorias do funcionalismo público local, entre elas policiais civis. O governo argumenta que tem um rombo de R$ 1 bilhão nas contas este ano.
Transporte especial
As regalias não ficaram restritas à alimentação especial. Quem tinha os ingressos do clube VIP nem precisava enfrentar fila. A Terracap disponibilizou uma van e duas kombis para buscar os torcedores no estacionamento próximo ao Palácio do Buriti. O gasto com combustível, segundo o GDF, foi de R$ 827, pagos com recursos públicos.
A Casa Militar também disponibilizou vans, que levaram alguns dos convidados do estacionamento do Buriti ao Mané Garrincha. De acordo com a Subchefia de Relações com a Imprensa, “em quatro jogos, foram usadas duas vans, que fizeram seis viagens de ida e seis de volta para essas partidas”.
Nos demais jogos, foi usada apenas uma van, que fez três viagens de ida e três de volta. Um total de 78 deslocamentos, percorrendo 117km. Como cada van faz 10km por litro de combustível, o gasto total foi de R$ 37,42
Nota da Casa Militar
Segundo a pasta, os condutores das vans são servidores civis comissionados lotados na Casa Militar, escalados normalmente nos fins de semana e nos feriados para prestar serviços ao GDF.
Copa das Confederações
A distribuição de ingressos para grandes eventos pelo Palácio do Buriti não é novidade. Em 2013, o GDF entrou na mira do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) após a Terracap empenhar R$ 2,8 milhões com gastos de ingressos e camarotes para a abertura da Copa das Confederações, no Mané Garrincha.
À época, para o MPDFT, a distribuição de ingressos para personalidades da capital configurava utilização de cargo público para autopromoção, o que viola o princípio da impessoalidade da administração pública.
O Ministério Público entrou com ação civil pública por improbidade administrativa contra os hoje ex-presidentes da Terracap Antônio Carlos Lins e Abdon Henrique de Araújo, além de diretores da estatal responsável pelo Estádio Mané Garrincha e integrantes do segundo escalão do GDF à época. A denúncia do MPDFT à Justiça não incluiu Agnelo Queiroz. Em agosto de 2015, Lins foi condenado por improbidade administrativa ao autorizar o gastos de R$ 2,8 milhões, sem licitação, para compra dos ingressos e do camarote.
Em fevereiro deste ano, na condição de testemunha, o ex-governador Agnelo prestou depoimento na Divisão Especial de Repressão aos Crimes Contra a Administração Pública (Decap) para colaborar na investigação da compra dos ingressos e camarotes distribuídos a autoridades na Copa das Confederações.
(Colaboraram Larissa Rodrigues e Mirelle Pinheiro)