Chargista visitará escola que denunciou censura em mural antirracismo
Carlos Latuff, autor de algumas charges usadas no trabalho sobre Consciência Negra exposto no CED 1 da Estrutural, se solidarizou com alunos
atualizado
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O chargista Carlos Latuff visitará, nesta terça-feira (30/11), a escola pública do Distrito Federal localizada na Cidade Estrutural que denunciou suposta censura a trabalhos de alunos feitos para o Dia da Consciência Negra. A unidade é o Colégio Cívico Militar – CED 01 da Estrutural, que funciona com o modelo compartilhado de ensino militarizado.
Latuff, cuja obra é marcada por fortes críticas sociais, é autor de algumas das charges utilizadas no trabalho escolar. Ele conta que viajará de Goiânia (GO) para Brasília apenas para prestar apoio à comunidade escolar do CED 01 na manhã desta terça.
“Já estive em situações análogas a essas em outros lugares, em escola em Sorocaba (SP) e em outra em Natal (RN). Eram trabalhos de escola que usaram charges minhas e de outros artistas também sobre violência policial e que receberam retaliações por conta disso”, relata.
Ele lembra que, há dois anos, uma obra sua foi destruída por um deputado em uma exposição sobre o Dia da Consciência Negra. “Dessa vez, um deputado do PSL foi à escola, o que nos remete a uma situação que ocorreu com uma das minhas charges, em 2019, no Congresso Nacional. Também em uma exposição sobre a Consciência Negra, uma das minhas charges foi destruída por um parlamentar“, relembra o artista.
“É sempre assim, não se consegue tratar dessa questão da violência policial que assola o país e discutir isso sem que haja esse clima de ameaça. Por isso é importante a gente apoiar essa tentativa de trazer essa questão à discussão”, considera Latuff.
Após o caso repercutir nas redes sociais, na semana passada, o cartunista se solidarizou com alunos e professores da unidade de ensino em vídeo postado no Instagram. Veja:
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Entidades defendem escola
Na sexta-feira (26/11), o Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF) requereu ao Ministério Público Federal (MPF) que averiguasse a atitude do deputado Heitor Freire (PSL-CE). O parlamentar esteve na unidade de ensino na semana passada e criticou o trabalho exposto pelos alunos.
Em nota, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) diz que educadores de todo o país “se solidarizam com a professora Luciana Paim, vice-diretora da unidade escolar do DF, que soube defender a liberdade de ensino do projeto pedagógico da escola, princípio assegurado em nossa Constituição”.
“Nossa solidariedade também se estende aos estudantes e comunidade escolar do CED 01, que de imediato se colocaram ao lado do justo e contra todo tipo de censura”, diz a nota publicada pela entidade.
Entenda o caso
De acordo com a vice-diretora do colégio, Luciana Pain, no último dia 19, alunos do 8º e 9º ano do ensino fundamental e do 1º, 2º e 3º do ensino médio expuseram pela escola cartazes relacionados à data. Além de homenagens a personalidades negras, os estudantes fixaram desenhos, textos e charges que falam sobre racismo e discriminação – alguns deles com duras críticas à violência policial contra a comunidade negra.
Na segunda-feira passada (22/11), segundo Luciana, o diretor disciplinar da escola, tenente Araújo, teria pedido para que os murais fossem retirados. “Eu disse que não tiraria. A escola não vai censurar o trabalho de alunos”, disse a vice-diretora.
“São cartazes elaborados pelos alunos sobre a Consciência Negra. Os estudantes entendem a violência institucional, não é uma agressão à polícia que está dentro da escola, é uma realidade que eles vivem.”
“Quando o tenente, que é o diretor disciplinar da escola, me procurou eu falei: ‘Use isso como oportunidade para conversar com os alunos, vamos juntá-los na quadra, vamos debater o tema’. E ele disse que iria remeter aos superiores dele”, completa Luciana Pain.
De acordo com a educadora, o trabalho dos alunos foi além da exposição nos murais da escola. “Não falava só de violência policial. Os alunos pegaram charges na internet e debateram, montaram cartazes que têm textos escritos por eles, pegaram várias situações de violência contra negros e montaram o mural”, conta.
“A escola está toda com cartazes espalhados. Nós trabalhamos o tema, fizemos uma roda de capoeira, trabalhamos a beleza negra, fizemos um desfile, trouxemos uma aluna que é do Quênia para trançar os cabelos das meninas. O tema foi todo trabalhado, e agora querem que a gente tire os cartazes”, narra a gestora do colégio.
Veja algumas imagens dos murais:
Polêmica
Na quarta-feira (24/11), o deputado federal Heitor Freire (PSL-CE) foi à escola após ser informado por policiais do Ceará, seu estado de origem, sobre o teor dos cartazes. Em sessão no plenário da Câmara dos Deputados nesta quarta, o parlamentar disse que denunciará o caso à Secretaria de Educação e ao Ministério Público, por considerar algumas exposições ofensivas. Ele ainda afirmou que foi mal atendido pela direção do colégio.
“O que eu vi foram muitas ofensas aos policiais militares, às polícias de todo o Brasil. Ali, retrataram policiais militares como racistas, ditadores, nazistas, algo altamente ofensivo”, afirmou o deputado.
No Instagram, o político compartilhou vídeo mostrando algumas das imagens fixadas no mural que criticam a violência policial contra pessoas negras. Para ele, “estão retratando policiais em atitudes criminosas, totalmente incompatíveis com a da realidade das ruas”.
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O outro lado
Em nota, a Secretaria de Educação disse que “considera preocupante o fato de um estudante ter a imagem das Forças de Segurança associada ao racismo ou ao nazismo e acha importante que o tema seja debatido durante o processo pedagógico”.
“A Secretaria de Segurança Pública assegura que esta não é a realidade da Polícia Militar do Distrito Federal, que em 2020, foi considerada a menos violenta do Brasil, de acordo com o Monitor da Violência, uma parceria do portal de notícias G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). A corporação tem como missão proteger e servir indistintamente a todos os cidadãos”, diz o texto.
“As duas secretarias vão aprofundar a parceria em prol da educação pública, ampliando os espaços de diálogo com estudantes, pais, professores e gestores”, conclui.
O Metrópoles também procurou a PMDF para um posicionamento. Em nota, a corporação negou que tenha havido qualquer tipo de censura pedagógica no CED 1 da Estrutural. “Não houve em nenhum momento o pedido para retirada dos cartazes do mural. Houve sim uma consulta junto a direção da escola sobre o tema abordado, uma vez que não condiz com a realidade e a decisão ter sido tomada de maneira unilateral, sem qualquer diálogo com a coordenação disciplinar que faz parte da gestão compartilhada da escola”, disse a PM.