Auditoria encontra graves irregularidades no contrato de concessão do Centro Administrativo do DF
Entre os problemas encontrados estão o desequilíbrio do contrato em favor das empresas e a concessão de garantias além do razoável para a construção do empreendimento em Taguatinga
atualizado
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Primeira e única Parceria Público-Privada (PPP) do Distrito Federal até agora, o Centro Administrativo do DF está longe de ser inaugurado. Desde que o contrato foi fechado, em 2008, vários episódios marcaram a construção e as tentativas de inauguração do empreendimento. Com a carta de habite-se anulada por uma decisão liminar da Justiça, a ocupação definitiva do espaço fica cada dia mais distante. Uma auditoria da Controladoria-Geral do DF que o Metrópoles teve acesso apontou diversas irregularidades no contrato de licitação que causam grande prejuízo ao bolso dos contribuintes brasilienses. Os problemas detectados vão desde a concepção da parceria até a entrega da obra.
A devassa no contrato foi feita pelos auditores entre 17 de novembro do ano passado e 29 de janeiro deste ano. Foram analisadas legalidade, legitimidade, eficiência, eficácia e efetividade do contrato assinado entre o Governo do DF e o Consórcio Centro Administrativo do DF (Centrad), formado pelas construtoras Via Engenharia e Odebrecht. O objetivo da auditoria foi analisar se foram observados as normas e os princípios da Administração Pública na contratação da PPP.No documento de 75 páginas, os responsáveis pela elaboração da auditoria afirmam que, com relação ao contrato, “prevalece o desequilíbrio da relação em favor do ente privado (empresas). Constatam-se irregularidades praticadas na licitação, que poderiam ensejar a nulidade de todo o processo, e inadequações e irregularidades na constatação e na execução contratual, que igualmente poderiam ensejar sua nulidade”.
O Metrópoles selecionou as 20 principais irregularidades detectadas pela audtoria. Confira cada uma delas:
Garantias
De acordo com a auditoria, pouco se salva em função do despreparo do governo para celebrar uma PPP. “As fragilidades ocorrem na fase de licitação, na formalização contratual, no acompanhamento da execução contratual, bem como durante todo o processo que verifica-se burocracia e morosidade na tomada de decisões.”
As ilegalidades citadas no documento são detalhadas, assim como as consequências para os cofres públicos caso o contrato seja mantido como está. As garantias oferecidas pela Terracap para a concretização da PPP, por exemplo, receberam uma detalhada análise e foram questionadas pela Controladoria-Geral do DF. A auditoria aponta a “concessão de garantias sem estudos técnicos que comprovem sua adequação e viabilidade, em montante desproporcional ao investimento realizado”.
De acordo com a auditoria, o valor inicial da obra foi estimado em R$ 439.082.739,38. Mas o governo deu garantias que somam R$ 1.408.780.830,63, ou seja, três vezes mais do que o investimento feito pelo consórcio para a construção do empreendimento. O que significa “uma imposição de custo excessivo ao parceiro público.”
Mobiliário
Uma das polêmicas para a ocupação do Centro Administrativo é a falta de mobiliário, telefonia e tecnologia, que não foram previstos no contrato. A auditoria ressalta o fato como uma “deficiência na elaboração do Projeto Básico da Licitação por não considerar fornecimento e implantação de mobiliário, divisórias, equipamentos de informática e central telefônica no escopo de serviços de operação e manutenção”.
Como consequência desta falha, a Controladoria-Geral do DF ressalta o prejuízo à ocupação do complexo.
Inauguração
No último dia de mandato, em 31 de dezembro de 2014, o petista Agnelo Queiroz inaugurou o Centro Administrativo, mesmo com os problemas na documentação, falta de mobília e ar-condicionado. Ele conseguiu abrir as portas do empreendimento porque, um mês antes, criou um decreto dispensando a exigência do Relatório de Impacto do Trânsito (RIT) para a liberação do habite-se.
O então governador promoveu o ato mesmo depois de o Ministério Público do DF (MPDFT) recomendar que a administração de Taguatinga não cumprisse o decreto. O administrador da cidade à época, Antônio Sabino, deixou a administração um dia antes da inauguração. No lugar dele, assumiu Anaxímenes Vale dos Santos, que solicitou o habite-se em menos de 24 horas.
Decisão
Em 9 de fevereiro do ano passado, porém, a juíza Caroline Santos Lima da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano Fundiário anulou, por meio de uma liminar, a carta de habite-se. “Determino que o DF exija a apresentação de Relatório de Impacto de Trânsito (RIT) para os empreendimentos considerados polos geradores de tráfego, bem como exija o laudo de conformidade como condição necessária à emissão da carta de habite-se, sob pena de multa de R$ 500 mil para cada descumprimento e sem prejuízo de responsabilização pessoal dos agentes públicos”, informou a magistrada na decisão.
O consórcio tenta declarar a legalidade do habite-se, já que, assim que o documento for liberado pela Justiça, o GDF deverá ocupar o empreendimento em até 30 dias e começar a fazer os pagamentos. As empresas que administram o empreendimento ficarão responsáveis por mantê-lo por 22 anos. Quando o contrato foi firmado, o valor estipulado para o pagamento mensal por parte do GDF ficou em R$ 12.698.000. Atualmente, com todas as correções, o montante chega a R$ 17 milhões por mês.
Em novembro do ano passado, o Governo do Distrito Federal (GDF) encaminhou um projeto de lei à Câmara Legislativa que pode acelerar a liberação do habite-se prédio. O PL 726 substitui a exigência do RIT em troca de uma contrapartida financeira. O documento é obrigatório para a liberação de habite-se e de alvarás em empreendimentos de médio e de grande portes. A proposta foi aprovada pelos deputados distritais em dezembro do ano passado.
Grupos de trabalho
Apesar dos questionamentos da Controladoria-Geral do DF, do habite-se anulado e da falta de equipamentos no empreendimento, o GDF criou grupos de trabalho que vão cuidar do plano de ocupação e do cronograma de mudança para o espaço. A gestão do contrato, que era de responsabilidade da Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos, passou para a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão.
A reestruturação foi publicada na edição do Diário Oficial do DF de 2 de fevereiro, mesmo dia em que o controlador-geral do DF, Henrique Moraes Ziller, encaminhou a auditoria ao secretário de Infraestrutura, Júlio Cesar Peres, e à secretária da Seplag, Leany Lemos.
Ainda não há uma data estipulada para mudança. O GDF também não bateu o martelo sobre quais órgãos serão transferidos para o local. Segundo a Seplag, a estimativa inicial, de 2008, previa a transferência de cerca de 15 mil servidores. Hoje, contudo, o Executivo trabalha com o volume aproximado de 11 mil pessoas.
Processos
Além desse impasse na Justiça, o governo confirma que existem 52 processos administrativos apurando questões referentes ao Centro Administrativo, sendo três deles no Tribunal de Contas do DF e oito na Justiça. O Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) também tem um inquérito civil público na promotoria de Defesa do Patrimônio Público. Segundo a assessoria de imprensa do MP, várias promotorias atuam no caso.
No ano passado, quando o GDF enviou uma circular a alguns órgãos informando que a transferência para o Centro Administrativo começaria em janeiro deste ano, os promotores solicitaram mais informações sobre a possível mudança. Como o inquérito ainda está em andamento, a assessoria do MP informou que nenhum promotor vai se manifestar no momento.
Por meio de nota, a Concessionária do Centro Administrativo do Distrito Federal (Centrad) informou que não tem conhecimento da auditoria. “A Centrad esclarece, ainda, que o TCDF analisou o processo licitatório da PPP do Centro Administrativo e não identificou quaisquer irregularidades no procedimento. O órgão emitiu parecer positivo em relação às implicações financeiras, jurídicas e fiscais da PPP e recomendou ao GDF a assinatura do contrato.”
A Seplag informou que todas as decisões referentes ao Centro Administrativo são tomadas pelo Conselho Deliberativo responsável pelo empreendimento e “que todas as conclusões apontadas pelos auditores serão averiguadas pelo Conselho. Contudo, ainda não é possível antecipar nenhuma posição.”
Mega empreendimento
O empreendimento começou a ser construído em 2011 em uma área de 182 mil metros quadrados, em Taguatinga. São 14 prédios de até 16 andares. Há ainda Centro de Convivência, Centro de Convenções, Marquise Cultural com anfiteatro e área verde de 61 mil metros quadrados. Entre os órgãos que devem ser transferidos para o local estão a governadoria, a vice-governadoria e parte das secretarias do DF.
Cerca de 3,6 mil pessoas participaram da construção do empreendimento. De acordo com a Centrad, a obra está 96,5% concluída. Ao longo da construção, foram usados 45 mil metros cúbicos de concreto, 5.500 toneladas de aço e outras 520 toneladas de estrutura metálica.
No que compete à Centrad, todas as vistorias das concessionárias do serviço público (CEB, Caesb, Novacap e Corpo de Bombeiros) e órgão de fiscalização (Agefis) estão concluídas e aprovadas para 56% do empreendimento. O habite-se do CADF está anulado por decisão judicial, mas poderá ser convalidado a qualquer momento.
Centrad
A primeira fase, o equivalente a 31,41% de todo o empreendimento, segundo a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag), começou a ser entregue em junho de 2014. Em 29 de dezembro de 2014, uma outra parte da obra foi entregue por meio de um termo de recebimento provisório. O documento foi contestado pela Procuradoria-Geral do DF, em razão do descumprimento do cronograma de ocupação.
Para que os prédios sejam ocupados, de acordo com a Seplag, ainda são necessárias a adoção das medidas mitigadoras (de compensação), relacionadas ao RIT; obras de incremento da capacidade da subestação da CEB que atende ao Centro Administrativo; benfeitorias no estacionamento externo; e soluções referentes ao mobiliário, à informática e à gestão documental.