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A Santos Inocentes quer cuidar do filho que você pensou em abortar

Objetivo é “contribuir para erradicar o aborto no Brasil”. Entidade funciona em Samambaia e oferece a possibilidade de as crianças serem entregues à adoção caso as mães não tenham condições de criá-las

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Michael Melo/Metrópoles
Santos-Inocentes
1 de 1 Santos-Inocentes - Foto: Michael Melo/Metrópoles

A 25Km de Brasília, em Samambaia, uma casa oferece abrigo para mães que não desejam seus filhos. Pela dificuldade em admitir suas limitações físicas, psicológicas, financeiras e emocionais, muitas decidem abortar no silêncio e na clandestinidade. Mas um grupo religioso tenta convencer essas gestantes do contrário. Em troca de evitar o aborto, os integrantes do Santos Inocentes oferecem o improvável: criar o filho rejeitado pelos pais e conduzi-los à adoção. Também estendem a mão para essas mulheres confusas sobre o seu destino.

Atualmente, 50 bebês vivem sob os cuidados da comunidade Santos Inocentes. O acolhimento é dividido em duas casas alugadas. Em uma delas, ficam os recém-nascidos órfãos. Na outra, as mães que foram convencidas a cuidar de seus filhos. Hoje, três delas vivem no conjunto 5 da QR 425, em Samambaia Norte. O projeto reúne 14 funcionários, dos quais, pelo menos, 10 são voluntários.

Juliana (*) é uma das mulheres acolhidas pelo grupo. “Ele não teve culpa de nada. Eu não poderia matá-lo”. É assim que a jovem de 20 anos explica o motivo de ter desistido de abortar. O “ele” a que se refere é seu primeiro bebê. O nome e o sexo da criança ainda são uma incógnita. Mas o feto de quatro meses cresce no ritmo natural e vai muito bem.

Com serenidade, Juliana fala de sua vida (veja vídeo) – e sobre a do bebê que carrega no ventre. Seu discurso e suas lágrimas são fruto da experiência conturbada que viveu até aqui. Agora, porém, a futura mãe com aparência e jeito de menina chora de alegria. Ela está convencida de que dará à luz, mesmo sem o apoio do pai. Não importa mais o que passou.

Juliana é uma das gestantes que, na última década, conheceram o grupo Santos Inocentes em um momento decisivo, o de abortar ou levar adiante a maternidade não planejada. Ser mãe jovem, solteira e sem o apoio do pai da criança ou da própria família significa enfrentar dúvidas, medos e preconceitos para os quais as mulheres, muitas vezes, não estão preparadas.

O desafio inclui encarar o ímpeto de interromper a gravidez e os riscos de tomar essa decisão, já que o aborto é proibido no Brasil e feito de forma clandestina país afora.

 

O grupo Santos Inocentes tenta convencer essas mães de que existem alternativas ao aborto. Sobrevivendo de doações e do que chamam de “providência divina”, a associação católica – porém, sem o apoio financeiro da Igreja – mantém com dificuldades duas casas alugadas para tocar o projeto. Os imóveis ficam na mesma quadra, quase de frente um para o outro.

A ideia nasceu em um grupo de oração voltado para a defesa da vida. Mas, “como a fé sem obras é morta”, os integrantes decidiram fazer algo para tentar impedir que mães como Juliana abortassem. Começava, assim, em 2002, o Santos Inocentes, em alusão aos bebês abortados. A meta do grupo é “contribuir para erradicar o aborto no Brasil”.

“Questão de aborto”
De vez em quando, o telefone toca e do outro lado da linha perguntam se ali “resolvem questão de aborto”. Quem atende diz que sim. As mães, então, batem à porta das casas em Samambaia, pensando se tratar de uma clínica abortiva. Encontram pessoas dispostas a escutar suas dúvidas e dificuldades. Os voluntários abraçam, acolhem essas mulheres pelo tempo que for necessário e, no período, tentam desencorajá-las do aborto.

Michael Melo/Metrópoles
Areolino Dias administra a entidade, que funciona em Samambaia

 

Engana-se quem acha que, por serem católicos, os missionários usam e abusam de doutrinas ou sermões religiosos para impor ordens ou ideologias. “Muitas vezes, só é preciso ter paciência para ouvi-las e compreender o sofrimento delas”, conta o atual administrador da associação, Areolino Dias, 39 anos, conhecido apenas como Ari.

Segundo ele, sete em cada 10 mulheres que procuram o grupo Santos Inocentes voltam atrás na decisão de abortar seus bebês. Uma equipe multidisciplinar – formada por psicólogos, pediatras, pedagogos e outros profissionais – apoia o líder Ari na dura tarefa diária de lidar com dramas reais.

Um dos primeiros casos considerados “de sucesso” pelo grupo foi o de uma mulher que, mesmo tendo sido estuprada, acabou decidindo levar a gravidez adiante. Hoje, o filho, já crescido, se tornou o grande companheiro dela. A mulher ajuda a associação.

Crianças para adoção
Os voluntários do Santos Inocentes defendem: se a mãe não quiser ficar com o bebê de forma alguma, o aborto também não é a única solução. O grupo se dispõe a cuidar das crianças após o nascimento, até que elas sigam para a adoção, com o devido acompanhamento da Vara da Infância e da Juventude. No entanto, a maioria das mães, comemora Ari, desiste da ideia. “Elas aprendem a amar a vida que há dentro delas durante a maternidade”, afirma.

Os casos são, quase sempre, muito delicados. Geralmente, pegas de surpresa com a gestação, mulheres demonstram medo, impotência, raiva, tristeza profunda ou tudo isso misturado.

Mas será que, mesmo em meio a tanto sofrimento, somos livres para matar? Que liberdade é essa?

Areolino Dias, que destaca os males físicos e psicológicos de um aborto.

Os missionários do Santos Inocentes já encararam situações “embaraçosas”, como a de uma mulher religiosa, casada, que engravidou ao trair o marido. Embora ela tenha procurado ajuda, não deixou a criança no abrigo. Não sabem, sequer, se ela chegou a ter o bebê. Em outro atendimento, uma garota de programa, cujo companheiro mora em São Paulo e nem imagina o trabalho que ela desempenha na capital federal, desistiu de interromper a gravidez. Está certa de que quer dar à luz o filho de um cliente do qual nem sabe o nome.

Juliana, a jovem do início deste texto, engravidou do ex-namorado, que não demorou a abandoná-la e foi o primeiro a sugerir que ela “tirasse o bebê”, o que só não ocorreu porque o casal não tinha dinheiro para comprar os medicamentos. “Continuo sem dinheiro e não terei o pai da criança por perto. Não sei como vai ser, mas terei esse filho. E ainda vou voltar aqui para dizer para outras mulheres que vale a pena”, encoraja-se.

* Nome fictício

Serviço:
Quem quiser apoio ou ajudar o projeto pode ligar para os telefones 3359-3652 ou 3359-2867

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