“A Garota Dinamarquesa”, o filme LGBT para toda a família assistir confortavelmente no sofá
A história tem seus defeitos e problemas, mas ainda é um bonito enredo que funciona para quem nunca teve contato com a vida de um transexual
atualizado
Compartilhar notícia
Aproveitando a semana do Oscar, vamos falar de um dos representantes da questão LGBT no páreo, o filme “A Garota Dinamarquesa“. O filme do diretor Tom Hooper conta a história de uma transexual pioneira que aceita passar por uma rudimentar cirurgia de vaginoplastia e, infelizmente, o filme vai pouco além disso.
Claro que a gente pode começar se perguntando o porquê de o papel não ser interpretado por uma trans verdadeira, mas várias respostas advém dessa questão.
Primeiro: em Hollywood a preocupação com a realidade é baixa em comparação com o caráter de entretenimento do filme. Mas o ator Eddie Redmayne cumpre direitinho seu papel e isso pode ser lido como qualidade e defeito do filme, diferente da atriz que interpreta sua esposa, Alicia Vikander, que leva à tela uma mulher apaixonada e confusa.
Inclusive, a interpretação de Redmayne é uma ótima metáfora para o desempenho do filme: não há nele o objetivo de chocar ou provocar, está apenas contando uma história. Quer dizer, filme LGBT para toda a família assistir confortavelmente no sofá, como foi um dia “Brokeback Mountain”. Não dava para arriscar o retorno econômico dos investidores e ainda rendeu a indicação de melhor ator pela academia em ambas as películas.
A primeira metade do filme é superinteressante. O pintor Einer Wegener casado com a também pintora Gerda são um casal apaixonado bem moderno vivendo na metade da década de 1920. Rodeados de artistas e homossexuais, eles se divertem nesse meio e há até uma sugestão de uma dinâmica de dominação entre eles (no sentido sexual da coisa). Gerda gosta de mandar e Einer acha gostoso obedecer, mas tudo de modo bastante discreto.
Até o dia em que, assim de brincadeira, Gerda pede para o marido colocar a roupa de bailarina da sua modelo para terminar o quadro. Desta situação o pintor vai descobrindo um conforto com a indumentária feminina e eles começam a criar uma personalidade para a mulher que ele se torna nestas ocasiões, Lili. A coisa vira um problema quando Einer não consegue mais voltar à persona masculina.
Dava para questionar muita coisa nessa forma de conduzir a história, no entanto devemos lembrar: a narrativa se passa numa época em que os termos usados hoje nem existiam e, além disso, é baseado em uma história real.
Ironicamente, o filme ainda dá o seu momento didático quando o médico, responsável pelo caso, explica à esposa que o marido não tem uma doença e a cirurgia não é corretiva, mas de redesignação, conceito moderno demais para alguém trabalhar na época, mas que funciona ao ser dito para o público de 2016.
O enrendo do filme mostra como é bom ter alguém que nos ama e que está para tudo do nosso lado, seja uma esposa, um amigo, um irmão. Ser aceito antes mesmo de ser compreendido se torna uma lição importantíssima e uma demonstração de humanidade. Mas aqui também o filme pode ser passível de crítica. Parece que a questão da transgeneridade é uma circunstância como qualquer outra e que, com amor, se supera tudo. Faltou explorar mais a fundo as especificidades.
O debate sobre a questão LGBT já está adiantado o suficiente para não se questionar como ele é tratado numa obra artística. Aliás é por isso que tantos críticos dizem que a TV está a anos luz do cinema em matéria de ousadia e profundidade dos debates. As trans nas séries de TV já são pessoas muito mais interessantes e completas comparadas a Lili.
Mesmo assim, como diz meu colega daqui do Metrópoles, Felipe Moraes, o filme vale a pipoca. Tem seus defeitos e problemas, mas ainda é uma bonita história que funciona mais para quem nunca teve contato com a vida de um transexual antes. Talvez seja o caso da maioria do público no cinema. Se for esta a realidade, então é uma boa forma de começar a olhar para o assunto. Sem sustos e direto no coração.