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Mulheres da periferia de Brasília poetizam dores e lutas

Livro reúne versos e prosas de criadoras sobre o cotidiano de viver do outro lado do Plano Piloto

atualizado

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Há um vendaval que vem da periferia de Brasília. Sopra forte e arrebenta o comodismo social. É poético e cortante. Gira em torno de si e lança palavras carregadas de dor, de inconformismo e de vontade de pôr tudo em outra ordem. É um vento que cresce como e toma forma de um tufão que avança por territórios até então blindados de regalias. O seu núcleo nervoso está no ventre de poetisas que cresceram à margem da segurança e do conforto das superquadras. Falo de um tornado feminino que revira o machismo, o preconceito, a indiferença e o abuso sexual.

A minha fé é nas mulheres
Nas mulheres no plural
Porque juntas somos força
Unidas, vendaval.

Larrisa Delfante em “Periferia Unida”

Esses versos estão marcados nas paginas de “Mulher Quebrada”, um livro de “palavras poeticamente sentidas”, dos coletivos Grito da Periferia, ArtSam e Frente Feminista Periférica. Escrita a partir das inquietações de quem está do outro lado do Plano Piloto de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de primeiro mundo, a obra leva o leitor a ficar bem pertinho de fragmentos de realidade de mulheres, que sentem, cotidianamente, na pele a difícil missão de quebrar tabus num Brasil embriagado pelo machismo.

Mãe é solteira
Pai é exemplo pra sociedade
Mãe com pouca idade é pura vagabundagem
Pai, símbolo de virilidade.
A mina se for de favela,
Ah não esquenta era sina dela
Quando tem grana é acidente,
Ou melhor: produção independente

Lunna Barbosa, em “Lógica Patriarcal”

As agonias daquelas que sentem a exclusão de forma concreta, as que não conseguem avançar por um caminho de pontes caídas. Uma trajetória de “nãos”, de empregos traçados pela cor da pele, pelos traços finos do rosto e pela textura do cabelo.

Aquela não passará na entrevista de emprego por causa da cor
Aqui tantas irmãs gritam de dor
Quando o abuso vira normalidade
É hora de bradar mais uma vez todas as verdades
Os direitos humanos são podem ser vã filosofia
É um desafio
Principalmente pra mulher da periferia

Rose Elaine em “O grito”

“Mulher Quebrada” aponta ainda para estereótipos sutis, que transformam a mulher negra e periférica, complexa em seus sentimentos e afetividades, numa figura social oca que segue a cumprir uma sina riscada nos navios negreiros.

A minha mulher negra,
Não precisa ser ajudada
Ela é tão forte, resistente.
Força reina nos seus braços
Suficiente pra carregar tudo
Inclusive as dores pela invisibilidade

Bebeth Cris em ”Conforto”

Em tempos de proliferação das vozes, as dos morros, as das favelas, as dos quilombos e as das quebradas, essas poetisas periféricas mostram que estão lado a lado e podem romper os muros, pedra a pedra.

Mulher na liderança
Ainda causa estranheza,
Mulher que questiona
Que argumenta
É mó treta!
Aqui tem camponesa
Organizando ocupação
Assalariadas conscientes
Pesadelo pro patrão.
Trabalhadora que não querem
O papel de coadjuvante
Pescadoras que não aceitam o papel de ‘ajudantes’

Larrisa Delfante em “Margaridas em Luta”

Gritam de uma periferia esquecida pelos políticos eleitos, marcada pela violência policial e pela ideia de que não precisa dar direitos a quem não deve ter direitos

“Violências físicas, sexuais e psicológicas são naturalizadas e as mulheres sempre culpabilizadas, ainda temos um longo caminho a percorrer e ainda muito pouco recurso para garantir nossos direitos e proteção. A luta continha.

Larrisa Verônica em “Dia das mães na periferia é mais um dia pra temer!”

A luta segue contra o desrespeito à “menina-mulher”, sujeita a ser arrancada de seu curso infantil, sem dar permissão para ser tocada por mãos e palavras ásperas.

E num dia de dezembro, aos 11 anos, caminhava sob a chuva fina na marquise da Comercial rumo à biblioteca, o templo que escolhi para fugir do mundo quando um homem baixo, e ainda sim amedrontador, sussurrava: “que saia bonita, que menina gostosa”; Esse seria um dia de sem leitura, voltei pra casa, doei toadas as minhas saias e decidi que o mínimo’ do meu corpo iria aparecer.

Suelen Gonçalves em “Um conto de como nasci feminista”

“Mulher Quebrada” fala da periferia feminina, que vive o cotidiano de ter de visitar o companheiro preso. E de acreditar que ele sairá dali para cuidar dos filhos, ajudar a manter a família, sem perder a fé na vida e a paixão pelo homem que violou o “sistema”. A da mulher leoa que zela pelas crias com uma garra que emociona,

“Eu me viro aqui com as crianças, com as contas, não vou deixar a Cobal faltar. Posso até não ter dormido direito, não ter muito dinheiro, mas às 4h em ponto estou lá. A guarida autoriza, segue minha sina, fila, correria, revista, vim te visitar! Meu preto, meu guerreiro, meu anjo negro, te desejo e esse amor o sistema não vai calar

Julie Lima em “Princesa do gueto”

È a periferia que quer ser periferia respeitada, que não aceita ser apropriada, invadida, modificada e copiada por quem entra e sai sem respeito.

Quer status, curtidas, espaço de fala.
Quer ser revolucionária.
Saí dessa, Mina!
Eu tô ligada que nem é você quem lava suas calcinhas!
Revolucionário são os meus cachos armados!

Meimei Bastos em “Sororidade”

As palavras dessas “mulheres quebradas” são vento forte, brisa poética!

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