Shyamalan, “Fragmentado” e além: um cinema sobre o poder da fantasia
O filme do diretor estreia quinta (23/3) no Brasil. A ótima bilheteria pode catapultar uma nova fase para o realizador de “O Sexto Sentido”
atualizado
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M. Night Shyamalan desperta reações distintas a depender do cinéfilo consultado. Uns argumentam que ele começou muitíssimo bem, com “O Sexto Sentido” (1999) e “Corpo Fechado” (2000), degringolou em “A Vila” (2004) e caiu no ridículo a partir de “Fim dos Tempos” (2008). Outros defendem o diretor como gênio incompreendido, ponta a ponta, fora uma ou outra exceção.
“Fragmentado”, com estreia no Brasil prevista para esta quinta (23/3), parece ser o suspense capaz de “unir todas as tribos”. Custou US$ 9 milhões e já passa de US$ 257 milhões nas bilheterias mundiais. De repente, Shyamalan, tão demonizado quanto adorado, voltou a ser um nome popular, respeitado e, digamos, “confiável”.
Esse “cinema de ateliê”, de orçamento curto, mas com vibração contagiante na maneira como ele arquiteta reviravoltas, teorias e movimentos de câmera, começou em “A Visita”: found footage destemido, sem vergonha de juntar horror, comédia e metafilme às vezes em uma única cena.
Ambos foram feitos na produtora Blumhouse, o lugar para se estar quando o assunto é terror barato e lucrativo: casa das franquias “Atividade Paranormal”, “Invocação do Mal”, “Sobrenatural”, “The Purge” e, do inédito no Brasil, “Get Out”, que leva o gênero a uma discussão sobre racismo.
Já houve um momento em que Shya foi o diretor do momento em Hollywood. Tanto que quatro de seus filmes carregaram selo de subsidiárias da Disney: “O Sexto Sentido” pela Hollywood Pictures e “Corpo Fechado”, “Sinais” (2002) e “A Vila” pela Touchstone.
“A Dama na Água” (2006) e “Fim dos Tempos” significaram uma ruptura do diretor com boa parte de público e crítica. Depois, ele apostou em fracassadas tentativas de emplacar blockbusters de grande orçamento: “O Último Mestre do Ar” (2010), de US$ 150 milhões, e “Depois da Terra” (2013), ficção científica de pai e filho (Will e Jaden Smith) financiada por US$ 130 milhões.
Fantasia, catarse emocional e traumas: os temas de Shya
A verdade é que Shyamalan, por sucessivos fracassos comerciais, teve que baratear seus modos de produção – dos estúdios de Hollywood para a seara dos filmes B –, mas seu estilo permanece tão inventivo e fantasista como na fase áurea (e quase unânime) entre 1999 e 2000.
Shya fez dois filmes pequenos antes de estourar com “O Sexto Sentido”. Nunca lançado comercialmente, “Praying with Anger” (1992) inaugura o interesse do diretor pela espiritualidade, enquanto o drama infantil “Olhos Abertos” (1998) desbrava os desdobramentos do luto.
Os filmes de M. Night Shyamalan:
Mas é mesmo em “O Sexto Sentido” que Shyamalan começa a explorar três de suas constantes: a fábula (ou o cinema) como única fuga possível da vida cotidiana (“A Vila”, “A Dama na Água”), personagens conectados por traumas (“Fragmentado”, “Corpo Fechado”) e o suspense que usa o susto e a tensão para alcançar a catarse emocional (“O Sexto Sentido”, “Sinais”, “Fim dos Tempos”).
É nesse sentido que fica explícita a filiação de Shya a Steven Spielberg, talvez o maior artífice dos contos de fada já visto em Hollywood. Nos filmes do indiano radicado nos EUA, a fábula é sempre um fim, nunca um meio. E, de fato, o diretor leva a fé na fantasia a ferro e fogo, às últimas consequências.
Na primeira vez, um filme de Shyamalan pode soar dependente demais de seus mecanismos internos, sobretudo os tais plot twists. Sim, pois o cinema de gênero é movido por reviravoltas – não é mesmo, Hitchcock? Uma segunda camada, porém, revela o que as obras de Shya têm de mais revigorante: uma entrega irrestrita às possibilidades da imaginação.