O melhor do cinema não está no Oscar, mas sim nos festivais mundo afora
Os filmes mais marcantes foram premiados em competições como as de Cannes, Berlim e Veneza, e não no Oscar
atualizado
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Todo ano a cultura brasileira cruza os dedos e se anima por um lugar na maior vitrine do cinema, o Oscar. E da mesma maneira, todo santo ano, lamenta e reclama nas mídias sociais a falta de reconhecimento. O que esses reclamões esquecem é que o Oscar é um falso ídolo. Essa premiação é um evento criado por Hollywood, que ocorre em Hollywood e que premia a própria Hollywood. Perdido dentro de seu próprio umbigo, o Oscar esquece do resto do mundo. É por isso que o melhor do cinema não está no Oscar, mas sim nos festivais sobre o tema mundo afora.
Vira-latas?
Produções brasileiras já foram indicadas ao Oscar 20 vezes, variando de melhor filme até melhor curta-metragem de animação. Nunca venceu. Aliás, o uruguaio Jorge Drexler ganhou o Oscar de melhor canção original por seu trabalho no filme “Diários de Motocicleta”, cuja letra é em espanhol. Nenhum cidadão tupiniquim vibrou.
Este ano o chororô brasileiro começou com a falta de uma indicação de melhor filme estrangeiro para “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert. Esse, sem dúvida, foi o filme brasileiro do ano. É excelente, rodou festivais do mundo inteiro e gerou discussões sociológicas no país. Mas não foi indicado ao Oscar. Buá.
“O Menino e o Mundo”, de Alê Abreu, foi incluído entre os finalistas a melhor animação. Indicado como filme de 2015, estreou no Brasil em 2014 e ninguém assistiu. Agora #somostodosOMeninoeoMundo. O único problema é que o filme certamente perderá para o americano “Divertida Mente”, de Pete Docter. Se as pessoas de sua timeline se revoltarem com esse fato, não as leve a sério, pois elas não entenderam que o Oscar é política — uma concorrência incestuosa em que milhões de dólares são gastos em campanhas eleitorais pela estatueta.
Ciclo vicioso
Uma matéria do “Los Angeles Times”, publicada em 2013, revelou estatísticas sobre quem vota no Oscar: 93% são brancos, 76% são homens e a média de idade é de 62 anos. Latinos representam 2%. Negros outros 2%. Como ficar surpreso com a falta de diversidade e de representatividade desta organização?
Quer mais tempero? Nos últimos quatro anos, três dos longas que ganharam o prêmio de melhor filme envolviam temas de cinema. “Birdman”, de Alejandro G. Iñarritú, era sobre um ator de filme de super-herói que tenta voltar a fazer sucesso. “Argo”, de Ben Affleck, é sobre uma operação de resgate à reféns diplomáticos que contou com consultoria de Hollywood. E “O Artista”, de Michel Hazanavicius, é sobre um ator de filmes mudos. O Oscar premia a si mesmo.
O melhor do cinema
Em 2015, o site americano de cinema Fandor.com conduziu uma pesquisa nas mídias sociais para descobrir quais seriam os melhores filmes desde 2010. Os primeiros 26 colocados foram apresentados neste vídeo:
https://vimeo.com/116202003
Nenhum dos 26 títulos citados ganhou o Oscar de melhor filme (o vencedor com a maior colocação foi “12 Anos de Escravidão”, número 39). Porém, 90% estrearam em festivais de cinema. Vários ganharam o prêmio principal do Festival de Sundance e do Festival de Cannes. O brasileiro “O Som ao Redor” ficou em 59.
Uma mudança de paradigma precisa ocorrer na consciência cinematográfica — uma nova perspectiva em que a figura do festival de cinema se torna o maior porta-voz da sétima arte. “Forrest Gump” ganhou o Oscar, mas “Pulp Fiction” ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes. Ingmar Bergman nunca ganhou um Oscar? Pois venceu o Festival de Berlim já em 1958. Alguém lembra de “Kramer vs. Kramer”, que ganhou o Oscar em 1979? “Apocalypse Now” ganhou a Palma de Ouro naquele ano.
Chororô pra quê?
Para quem insiste no chororô de que o Brasil nunca ganhou um Oscar, saiba que já fomos bem representados nos festivais mundiais. A Palma de Ouro nós faturamos em 1962, com “O Pagador de Promessas”. O Urso de Ouro, do festival de Berlim, veio em 1998, com “Central do Brasil”. Em 2008, ganhamos o segundo, com “Tropa de Elite”. E finalmente, Sundance veio em 2006, com “A Casa de Areia”. Esse você nem lembrava.
Se, mesmo assim, insistirem no chororô em 2016, é só lembrarmos que “Que Horas Ela Volta?” venceu um prêmio em Sundance pelas atuações de Regina Casé e Camila Nárdila, e “O Menino e o Mundo” venceu o Annie, o maior prêmio de animação do ano. Not bad.