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Na vida moderna, relacionar-se virou um ato de coragem

Dispor-se a conhecer o outro, e obviamente fazer-se conhecer, passou a ser interpretado como patético, uma rendição. E não deixa de ser

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Na teoria, a fórmula deveria ser bem simples: conhecer uma pessoa, perceber afinidades e incompatibilidades, verificar se a química corresponde à atração inicial. “Foi legal, quando nos vemos novamente?” E, na medida em que essa pergunta se repete, a relação se adensa. Ganha nome, para que os envolvidos se sintam seguros para uma maior entrega.

A partir daí, a história é assumida socialmente, surgem planos e compromissos comuns. A vida moderna, entretanto, tem se encarregado de bagunçar esse molde. E, enquanto isso, as pessoas se debatem para entender (ou desenvolver) um novo caminho para os relacionamentos.

Toda a complicação começa na hora de fazer a dita pergunta. Numa realidade marcada pela agilidade e pela ampla oferta, seja lá do que for, um reencontro pode soar comprometedor demais. Mesmo quando há vontade, ninguém quer ceder e assumir esse encargo.

Dispor-se a conhecer o outro, e obviamente fazer-se conhecer, passou a ser interpretado como patético, uma rendição. E não deixa de ser.

Entendamos a engrenagem
A propagação das redes sociais tem levado a um fenômeno psicológico interessante: somos sempre bons, e almejamos sermos ainda melhores. Bem, esse é o propósito de todo ser humano. Mas aí mora o perigo. Esquecemos que a condição humana nos impõe limites. E não dá para confundir “ser melhor” com excelência, otimização.

O rosto sorridente do outro na foto inspira a competição, em nome de uma tal felicidade – a ausência plena de problemas, as cenas mais bonitas, os sentimentos sempre gratificantes, os melhores ângulos, as melhores falas. Na internet, as vidas se transformam em shows de ilusionismo. Daqueles que, mesmo sabendo que é mentira, pagamos caro para assistir, na tentativa de desmascarar o truque, ou de reproduzi-lo em casa.

Nesse universo, qualquer relação soa como insuficiente. Afinal, o outro poderia ser mais interessante. Ou mais bonito. Ou mais inteligente. Ou mais rico. Ou mais sexy. Ou mais popular. O descarte se torna imediato. Uma segunda chance soa desperdício de tempo. Afinal, o amor idealizado pode estar na próxima festa, ou num deslizar de dedos sobre o aplicativo. O embrião da relação é abortado em nome da expectativa de algo bem mais fantástico – do latim phantasticus, parente linguístico de phantasia (“devaneio”, “imaginação”).

Loucura é achar que se atingirá esse grau de perfeição numa relação entre dois seres humanos.

Relacionamento além das redes
De fato, é aí que se esconde o nó. A falta de parâmetros saudáveis de conexão com o mundo exterior, a partir dessas novas linguagens, tem afastado o homem do diálogo interno. Relacionar-se não é só um pressuposto básico da existência humana, mas principalmente a via régia ao autoconhecimento. É a partir da troca com o outro que o sujeito encontra referências sobre si mesmo e sobre o mundo. Especialmente numa relação amorosa, quando ficamos expostos à mais rica gama de emoções, em níveis elevados de concentração.

Dessa forma, aprofundar o contato com o outro implica em um compromisso conosco, uma vez que inevitavelmente iremos nos deparar com o melhor e o pior do que somos, e temos a oferecer. Essa é a rendição que falei no começo: a que devemos fazer ao Self, a nossa natureza inata. Distanciados dele, podemos encontrar no mergulho de uma relação as marcas profundas da ausência de sentido dos nossos atos e crenças, ou um vazio onde deveria existir o significado de viver.

A evitação não diz respeito à relação em si, ou aos encargos que ela traz. Nem mesmo aos argumentos de limitação do prazer, ou da falta de liberdade instalada pelo encontro. Ela fala das lacunas que percebemos no nosso ser, as imperfeições não admitidas. Relacionar-se é, como disse Jung, um ato de coragem. “Alguém que se apavora e recua diante da dificuldade do amor é péssimo cavaleiro de sua amada. O amor é como um Deus: ambos só se revelam aos seus mais bravos cavaleiros.”

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