Filho, um dia você vai ver que o seu irmão foi o seu melhor presente
Você vai se acostumar e vai aprender a enxergar o Solano como parte da sua vida. Acredite em mim, você vai amá-lo!
atualizado
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São quase 22h e eu acabo de sair do seu quarto. Sua respiração é calma e profunda, o corpo entregue ao sono, as pernas compridas, ocupando cada vez mais espaço na cama. Quando foi que elas ficaram desse tamanho? Você já é mais menino que bebê, muito mais, mas ainda carrega aquela vozinha de quem está aprendendo a formular as frases.
Você ainda fala algumas palavras de um jeito encantadoramente errado e, volta e meia, se refere a si mesmo como “o Mimi”, embora cada vez menos.
Filho, eu sei que os últimos tempos não têm sido fáceis. Não bastassem todas as mudanças que aconteceriam naturalmente na sua vidinha, eu e seu pai resolvemos te dar um irmão. E você parece agora ter se convencido de que ele veio para ficar. Se antes o Solano era uma criaturinha que só chorava e dormia, agora ele sorri para tudo e para todos, pega seus brinquedos e parece não notar a sua antipatia – pelo contrário, ele te adora.
Miguel, eu sou solidária a você. Sei exatamente o que você está sentindo, aconteceu comigo também. Como irmã mais velha, eu senti na pele a dor de não ser mais a única pessoa fofa da casa. E sua tia Isa era muito mais feliz e sorridente do que eu quando criança; enquanto ela arrancava gracinhas das visitas, eu levava a fama de emburrada. No máximo, tímida.
Como mãe, Mimi, eu também te acolho, com toda a minha alma. Meu coração quase se partiu há alguns dias, quando você – ao constatar que seu irmão iria passar a fazer as refeições conosco, à mesa – decidiu se esconder debaixo da escrivaninha. “Não tem lugar pá mim”, você me disse, com o beicinho de tristeza. Filho, sempre vai ter lugar para você, não importa o quão pequena seja a nossa mesa e o quão grande seja a nossa família.
Então, filho, a única coisa que eu posso te garantir é que isso vai passar. Você vai se acostumar e vai aprender a enxergar o Solano como parte da sua vida. Acredite em mim, você vai amá-lo! Eu passei a infância ouvindo da sua avó que eu e a tia Isa tínhamos que ser companheiras, que nós só teríamos uma a outra e que isso era um privilégio – ainda mais para alguém como a vovó, filha única. E sabe de uma coisa? Ela estava certa. Um dia você vai se dar conta de que o seu irmão foi o melhor presente que eu e o seu pai já te demos.