Xique-Xique, o perigo da fórmula pronta
Lembram-se daquela propaganda do Mc Donald’s que induzia as pessoas a escolherem pelo número qual o trio promocional — sanduíche, bebida e batata frita — você iria pedir no balcão? O truque é uma forma de agilizar o atendimento e facilitar ainda mais a produção em série descuidada e típica de fast food. Pois é, […]
atualizado
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Lembram-se daquela propaganda do Mc Donald’s que induzia as pessoas a escolherem pelo número qual o trio promocional — sanduíche, bebida e batata frita — você iria pedir no balcão? O truque é uma forma de agilizar o atendimento e facilitar ainda mais a produção em série descuidada e típica de fast food. Pois é, o restaurante Xique-Xique, um clássico da capital, está servindo a sua tradicional comida nordestina desse jeito, de bate-pronto, sem a devida atenção e, pior, sem a qualidade que fez do lugar um ícone da comida confortável em Brasília.
Lembro-me de, na década de 1980, ir com meu marido e minha filha ao restaurante na 107 Sul. Subíamos uma rampa que era voltada para a comercial, onde a Barbarinha ficava brincando, enquanto eu e Sr. Bárbaro sentávamos para apreciar a vista e nos deliciarmos com o que vinha quentinho nos pratinhos ovais, onde a comida era servida. Todos saíamos de lá saciados e íamos comer docinhos no Formiguinha, um loja da mesma comercial, que servia um doce caramelado ótimo.
E assim fiz durante décadas. O restaurante recebeu alguns “tapas” em pequenas reformas, mas mantinha, até então, a qualidade da sua comida, o serviço atencioso e o seu ar de acolhimento. Depois que fiquei viúva, espacei um pouco minhas idas ao Xique-Xique, pois somos feitos de carne e osso – e as memórias vêm à tona e mexem com a gente (acho que estou meio emotiva por conta do Natal).
Voltei à casa quatro vezes nas últimas duas semanas e tenho de confessar a minha decepção. Parecia que estava entrando em outro lugar. As cadeiras, quadros e, até mesmo, alguns garçons de rostos conhecidos estavam por lá. Mas a comida… A comida está sendo feita sem cuidado, sem o carinho e sem a mesma atenção de outrora. Algo está errado. E aqui não estou sendo saudosista.
Peço sempre um queijo coalho de entrada. Na fórmula número 2 (R$ 108,00), ele agora já vem incluído (à parte, custa R$ 14). Solicitei que viesse antes para petiscar com minha cerveja gelada. O pedaço de queijo, que nem derretidinho estava, chegou junto com os outros ingredientes: arroz, feijão verde, mandioca cozida (pedi a frita também), paçoca, carne de sol, manteiga de garrafa e cheiro verde.
Das quatro vezes em que fui, em três delas a comida chegou rapidamente. E fria. Detesto comida fria. Arroz frio. Carne fria. Paçoca fria. Mandioca frita fria. Quase chorei. De raiva. Não acreditava que a repetição desse padrão havia virado regra. A fórmula de estar tudo pronto está prejudicando drasticamente a qualidade e, consequentemente, o sabor.
Aí vocês podem me perguntar: a casa estava cheia? Não, não estava. Mais uma prova de que quem gosta de comida nordestina está procurando outros lugares. Uma pena.
Bom, pedi então ao garçom que trocasse minha carne gelada – que imagino que já deva estar cortada na cozinha esperando o próximo cliente proferir o número. Ao invés de esquentar a minha porção, ele trouxe outra travessa – que já estava pronta, só que desta vez com a carne esturricada. Respirei fundo e solicitei mais uma vez a troca. E, finalmente, depois de quase 15 minutos, a carne certa desfilou em meu prato. Resultado: tudo também já estava frio.
O episódio da carne só não foi mais constrangedor do que o da paçoca. Os pedaços de carne vieram úmidos e em grumos. Isso mais de uma vez. Comia a paçoca do Xique-Xique e ela sempre foi feita de carne de sol desfiada miudamente. Além disso, era bem crocante, sequinha e temperadinha. As que comi lá nestas vezes estavam insossas, sem o gostinho marcante da paçoca.
O Xique-Xique ainda não é um caso perdido. Mas alguém, para o bem da tradição nordestina na cidade, precisa urgentemente sacudir desde o dono até a equipe da cozinha. A fórmula pode facilitar o processo de produção, evitar prejuízos e desperdícios, mas jamais, jamais pode subverter a premissa de que o cliente quer e precisa sentir o frescor e o sabor da comida em todos seus sentidos.
Cortês sim; omissa, não.
DEVO IR?
Só se estiver perto e com fome. Há outros nordestinos melhores na cidade.
PONTO ALTO:
Tradição. É possível recuperar a credibilidade e a boa comida.
PONTO FRACO:
As fórmulas que chegam à mesa.
107 Sul (3244-5797) e 708 Norte (3274.2810).