Inácia Poulet: sem sabor, sem identidade
O jardim aconchegante do restaurante Inácia Poulet poderia ser sempre a porta de entrada para uma refeição caseira e despretensiosa….
atualizado
Compartilhar notícia
O jardim aconchegante do restaurante Inácia Poulet Rôti poderia ser sempre a porta de entrada para uma refeição caseira e despretensiosa. Alexandra Alcoforado, ex-chef e umas das idealizadoras da casa, apostou nisso e fez até uma reforma quando o Inácia começou a crescer e a chamar a atenção do público, meses depois de ser inaugurado, em março de 2012. Quatro anos depois, o jardim talvez sirva apenas para quem vá à casa despercebidamente e não sabe se voltará. O Inácia Poulet está andando ladeira abaixo.
Alexandra, que não trabalha mais no restaurante da família, implantou um cardápio especializado em aves, galeto e codorna, bastante influenciada pelos seus estudos na escola francesa Le Cordon Bleu. O prato-assinatura do Inácia, nome da avó da chef, é uma panelinha com galeto (recheado com miúdos ou não) e outras três de acompanhamentos, à escolha do cliente. O mesmo valia para a codorna, como opção coringa de ave nesse combinado. À época da inauguração, as quatro panelinhas saiam por R$ 36.
O sabor do galeto era espetacular. Miúdos bem temperados, farofa de pão e especiarias equilibrada, purê de mandioquinha aveludado e farofinha de cuscuz com ovos com pedaços graúdos de gemas. Nos últimos anos, a qualidade já vinha oscilando e os preços aumentando.
Atualmente, as mesmas quatro panelinhas custam R$ 70 (servem bem duas pessoas). Enquanto isso, o galeto tão suculento e com recheio marcante perdeu personalidade, ficou insosso, formando um par indesejável com os acompanhamentos sem tempero. Os legumes vieram sem sal e a farofinha encharcada com raros pedaços de ovos. A sorte é que não mexeram no sabor da panelinha de feijão branco.
Em outra situação, resolvi apostar na salada Poulet Rôti e no risoto de codorna. Essa salada sempre foi minha pedida certeira. Por sorte, a textura e o paladar continuam o mesmo. Porém, o preço superou as expectativas de inflação até dos economistas mais pessimistas: saltou de R$ 12 para R$ 39. Já o risoto de codorna (R$ 52 o individual) foi uma decepção. Um caldo medonho, com pouquíssimo sabor, sem nenhum tempero, apesar de boa quantidade de codorna e aspargos.
Mas o apocalipse ainda não bateu de vez na porta do Inácia Poulet. Duas novas entradinhas conquistaram meu paladar: os brochetes de frango (R$ 25) e o ceviche clássico (R$ 49). Os primeiros são dois espetinhos com um molho agridoce e um toque de gengibre. Delicado, o frango estava macio permitindo que o sabor da “calda” penetrasse na carne. Bom, o ceviche estava no ponto, sem abusar da acidez do limão e com um leite de tigre avermelhado, diferente. Os toques novos são do chef peruano John Ccolque, que assumiu as panelas faz alguns meses.
A chegada do novo chef também mexeu com o cardápio. Provavelmente, ele deve ter ganho carta branca do dono para modernizar o menu e dar uns toques peruanos. Nada de errado. Porém, na mesma carta, há carpaccio, tartar, ceviche, brusquetas, frango, codorna, risoto de lagostim e peixe à moda tacu tacu (comida peruana). Uma confusão gastronômica total. E mais, para aumentar o desconforto, o cardápio não harmoniza em nada com aquele ambiente rústico metido a chique. A identidade da casa — que apostava na comida de avó, caseira — foi para o espaço.
Antes, o restaurante era especializado em aves. Então, toda aquela decoração de inspiração mineira — com móveis de madeira de demolição, tapetes no chão (acho que para dar a impressão de que é um restaurante fino), com quadros de gosto duvidoso (com toda respeito a Dona Inácia), música de má qualidade, parede com vasos e flores de plástico — até podia fazer sentido, embora eu sempre tenha achado meio cafona. Agora, com aspirações a cozinha internacional, o ambiente destoa em gênero, número e grau com o cardápio.
Para completar, a carta de vinhos é de passar mal. Não pela qualidade dos rótulos. Mas pelos preços praticados. Beira um assalto, daqueles que levam não só sua bolsa com a carteira, como também o relógio, os brincos, os anéis. Com mais de 10 páginas, a carta possui apenas dois rótulos (dois espanhóis) abaixo dos três dígitos. Uma casa como aquela não pode ter vinhos tão extraordinariamente caros, mesmo alegando o aumento ocorrido nos preços dos vinhos. É impraticável.
Definitivamente, perdi a vontade de ir ao Inácia. Até tolerava o ambiente pela boa comida. Os atrativos se foram. Como tomar uma taça de vinho a preço justo? Talvez nem o ceviche campeão me traga de volta por lá. Vou ter de procurar outro jardim aconchegante.
Cortês sim; omissão, não
DEVO IR?
Caso queira se arriscar, vá. Eu perdi o ânimo.
PONTO ALTO:
O jardim aconchegante.
PONTO FRACO:
O cardápio, a decoração, os preços da carta de vinhos.
Inácia Poulet. 103 Sul, Bloco B, Loja 34, 3225-4006