Como a atuação de Teori Zavascki na Lava Jato cruzou com os negócios do empresário Carlos Alberto Filgueiras
Ações julgadas por Zavascki tangenciaram o universo empresarial de Filgueiras, que teve entre seus sócios diretores de banco investigado
atualizado
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São Paulo e Brasília – Dono de um dos mais luxuosos hotéis do Brasil, proprietário de pelo menos sete empresas, com um capital social de R$ 147 milhões, Carlos Alberto Fernandes Filgueiras, 69 anos, tinha relacionamento estreito com políticos, empresários, advogados e juristas. Um de seus amigos era Teori Zavascki, 68, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e relator da Operação Lava Jato. A ligação dos dois começou cinco anos antes da viagem que acabou em tragédia na última quinta-feira (19/1), quando o avião particular de Filgueiras caiu matando cinco pessoas, entre elas o próprio empresário e Zavascki, considerado uma das pessoas mais importantes do país, na atual conjuntura.
Além da amizade, a trajetória profissional de Zavascki cruzou, em certo momento, com os negócios de Filgueiras. O ponto de convergência: o banco BTG Pactual. Entre os nove sócios de Carlos Alberto Filgueiras, dois deles atuaram como diretores da instituição financeira que é investigada pela Lava Jato, cuja relatoria no STF pertencia a Teori Zavascki.
A Forte Mar Empreendimentos e Participações, uma das empresas de Filgueiras, tem 90% de seu capital social em nome do fundo de investimentos Development Fund Warehouse, do BTG. Os outros 10% pertencem a J. Filgueiras Empreendimentos e Negócios Ltda., segundo informações do Diário Comércio Indústria & Serviços, de 1º de julho de 2016.
Os dois sócios de Filgueiras são: Carlos Daniel Rizzo e Michel Wurman. O primeiro é ex-presidente do Conselho de Administração do BTG e atual presidente do Conselho de Administração da Brasil Pharma, grupo de varejo farmacêutico controlado pelo banco. Wurman é sócio da Forte Mar de Filgueiras e integrante do mesmo conselho.
Relações
A amizade de Filgueiras com Teori começou quando a esposa do magistrado, Maria Helena, iniciou o tratamento de um câncer, em 2012, na cidade de São Paulo. As sessões de quimioterapia eram realizadas no Hospital Sírio Libanês, perto do hotel de Filgueiras na Oscar Freire, o Emiliano, onde o então ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) se hospedava. Os dois passaram a se encontrar e a conversar com frequência. Filgueiras era carismático e expansivo. Zavascki, muito reservado. Mesmo assim, encontraram afinidades. O apreço por charutos, por exemplo. Quando da morte de Maria Helena, Filgueiras deu um suporte grande para o amigo.
No início deste ano, Zavascki se hospedou mais uma vez no Emiliano de São Paulo, como já se tornara um hábito. Na ocasião, um amigo em comum dos dois participou de um momento de descontração. Filgueiras vestira-se com roupa e boné pretos. Rindo, disse ao amigo ministro ser um agente da Federal. “O Carlos Alberto era um ser mundano em todos os sentidos. Gostava de boa bebida, boa comida, boa farra, boa vida”, lembra o empresário, jornalista e escritor Mário Rosa, que também desfrutava da intimidade de Filgueiras.
O proprietário do grupo Emiliano, com unidades em São Paulo e no Rio de Janeiro, apreciava bebidas caras, imóveis de luxo, obras de arte. Não raramente, ele abria mão das instalações de seus próprios hotéis para se hospedar no Copacabana Palace, onde desfilava com belas mulheres. O empresário era divorciado de Maria Myrna Loy Filgueiras e tinha quatro filhos: Carlos Emiliano, Carolina Filgueiras, proprietária da linha de cosméticos Santapele; Carlos Degas Filgueiras, presidente do grupo DeVry; e Gustavo Filgueiras, CEO da empresa que administra os hotéis Emiliano desde 2005.
O acesso ao mundo do luxo veio com o tempo. Ele começou a vida como caminhoneiro. Trabalhou no garimpo. Dizem os amigos mais próximos que arranjou um jeito de ganhar dinheiro em Serra Pelada, no sudeste do Pará. Depois, tornou-se dono de madeireira e atuou no ramo da construção de empreendimentos imobiliários.
Considerado atencioso, Filgueiras tinha um cuidado especial com seus hóspedes, muitos deles importantes e poderosos. Uma diária na suite de luxo em seu hotel-boutique sai a R$ 2.130. Costumava mimar seus clientes enviando croissants embrulhados em saquinhos charmosos. As celebridades tinham desconto. Era a forma de o empresário manter seu estabelecimento sempre badalado. Os garçons enchem a boca para dizer que já serviram Gisele Bündchen e Di Caprio. Zavascki era do time vip. Muito próximo ao dono do hotel, o ministro chegou a se hospedar em um dos apartamentos de Filgueiras mantidos no prédio ao lado do Emiliano, onde o empresário morava.
Hotel-boutique
Circulam pelas dependências do hotel-boutique artistas e celebridades da política. O ex-primeiro ministro inglês Tony Blair e o ex-presidente americano Bill Clinton já ocuparam suítes no lugar. Quem não tinha intimidade com Filgueiras, o chamava de Emiliano. O equívoco era levado na esportiva e acabou virando uma marca. Em sua coluna publicada no jornal Estadão, o escritor Marcelo Rubens Paiva comentou que o empresário costumava fazer o check-in em seu próprio hotel usando nomes de líderes revolucionários latino-americanos. Um deles, o mexicano Emiliano Zapata. Mais um traço do estilo despojado de como levava a vida.
Há alguns anos, Filgueiras passou a frequentar cada vez mais a ponte-aérea Rio-São Paulo. Todo mês, seguia para a bucólica Paraty porque planejava construir o próximo hotel do grupo Emiliano numa ilha da região. Na Ilha das Almas, o empresário ergueu uma casa de 400 m². Foi acusado pelo Ministério Público Federal de invadir área de preservação ambiental, na APA do Cairuçu.
Era justamente nessa região que Filgueiras e o ministro Zavascki desfrutariam de alguns dias de lazer se não tivessem sido vitimados no acidente com o bimotor. A aeronave de pequeno porte costumava levar peixes frescos para os hotéis do grupo. Na ocasião do acidente, morreram também o piloto Osmar Rodrigues, 56 anos, Maíra Lidiane Panas, 23, e a mãe dela, Maria Hilda Panas, 55.
A suposta construção irregular na Ilha das Almas foi acompanhada por organizações ambientais nos últimos anos, período em que houve vários protestos de ambientalistas denunciando indícios de desmatamento irregular e alterações no ecossistema da área. Em outubro de 2007, a Polícia Federal fez uma batida na propriedade e constatou irregularidades que foram sistematicamente reforçadas nos anos seguintes. Até mesmo a formação de praias artificiais e o desmatamento de Mata Atlântica, como consta no recurso de Habeas Corpus julgado pelo STJ.
A ação acabou subindo para o Supremo e o ministro Edson Fachin negou o pedido de Filgueiras para trancar o processo em 13 de dezembro de 2016.
Colaborou Juliana Cavalcante